Almanaqueiras: ou não queiras.

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terça-feira, 4 de abril de 2017

O Brasil todo perdeu com os anos de destruição do tecido político. É uma ilusão acreditar que um jornal pudesse escapar a esse massacre.

Acabaram o diálogo e a confiança

Renato Janine Ribeiro




Agradeço o convite para debater o novo Projeto Editorial da Folha e saúdo as promessas de respeito à veracidade dos fatos e de crítica às potestades deste mundo.

Uma coisa, no entanto, me preocupa: o projeto minimiza a destruição do diálogo ocorrida nos últimos dois anos, a prejudicar gravemente nossa vida democrática. O jornal parece não enxergar o tamanho de um fato básico: nunca, desde 1964, o país esteve tão dividido.

Não há confiança recíproca entre os atores que deveriam conversar para reconstruir o Brasil, em necessárias bases novas. A palavra "diálogo" aparece no projeto, mas só duas vezes.

Ora, quem quiser melhorar o país terá de investir na recomposição da confiança recíproca e no diálogo entre os que acreditam em quatro causas: a inclusão social, o crescimento econômico, o respeito ao ambiente e o combate a toda corrupção.

São muitos os que se desentenderam e precisam voltar a conversar. Ora, não vejo sinal disso quando, em suas colunas e entrevistas, a Folha destaca apóstolos do ódio.
Fique claro: a Folha entrevista e convida a escrever quem bem quiser. Isso, porém, gera consequências. Não se contribuirá para a recomposição da democracia dando espaço ao ódio.

Acabou o diálogo. Se alguém quiser melhorar o país, tem que abrir canais. A Folha quer isso? Não percebe que, sem diálogo, o jornalismo que diz pretender fica inviável?

Daí que parte razoável de seu possível público leitor já não confie no jornal. O compromisso com a veracidade dos fatos esbarra no ceticismo de quem acha que a Folha apoiou o golpe ou impeachment, chamem como quiserem.

Nem importa o quanto seus ataques constantes ajudaram na queda do governo Dilma Rousseff. O fato é que chamuscaram a imagem do jornal, como a de quase todos os veículos de comunicação.

Fazer uma cobertura veraz exige credibilidade. O fenômeno é universal; todos nós perdemos interlocutores. Não só a Folha. Para um jornal, contudo, isso é grave.

O público desconfiado é maior do que o confiante. Se o grande problema do país é a perda de diálogo, o problema da mídia é a perda de confiança.

A Folha faz bem em reconhecer que um jornal perde, na batalha dos serviços, para sites especializados; ótimo que queira devolver o foco central ao jornalismo. Aliás, ela insiste, há anos, que a internet pode fornecer a informação rápida, mas superficial, enquanto os "quality papers" dariam a análise aprofundada. Isso é verdadeiro?

Um: está crescendo no Brasil, para além dos blogs, um jornalismo bom, analítico, concorrencial, feito on-line -ainda pequeno, é verdade. Dois: a Folha renunciou a ter um plantel de bons correspondentes internacionais. Para as notícias do mundo, cada vez mais gente vai direto a jornais estrangeiros. Três: se ela tem mais de cem colunistas, deixemos claro: opinião não é análise. Opinião não gera qualidade.

Isso me entristece. A Folha fez uma campanha dura contra o PT, mas também revelou o caso do aeroporto do município de Cláudio (MG), esquema que teria beneficiado Aécio Neves (PSDB).

O jornal deveria enfrentar com franqueza a crise geral de credibilidade, fruto da morte do diálogo.

O Brasil todo perdeu com os anos de destruição do tecido político. É uma ilusão acreditar que um jornal pudesse escapar a esse massacre.

E é outra ilusão supor que, sem uma ação decidida em favor do diálogo -o que implica o repúdio claro à direita comportamental, ao fascismo-, seja possível sair dessa guerra civil verbal em que mergulhamos.

RENATO JANINE RIBEIRO é professor titular de ética e filosofia política da USP. Foi ministro da Educação em 2015 (governo Dilma)


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