Almanaqueiras: ou não queiras.

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segunda-feira, 6 de março de 2017

os beneficiários da deposição da ex-presidente Dilma Rousseff têm de admitir que se construiu uma compreensão singular da Lei de Responsabilidade Fiscal com o objetivo exclusivo de trocar o comando do governo eleito nas urnas de 2014.

Cresce ideia mentirosa de que tanto faz o comandante do Planalto

Há articulação para levar Cármen Lúcia ao lugar de Temer

LUÍS COSTA PINTO

SÓ HÁ UM CAMINHO: A POLÍTICA



Há uma evidente articulação em curso, não mais silenciosa, para alojar a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, na cadeira de presidente da República. É possível que ocorra à revelia dela, entretanto é improvável que assim seja.

Ao menos uma grande empresa da mídia tradicional flerta editorialmente com essa possibilidade –como revelou Fernando Rodrigues no Poder360 em dezembro de 2016. Articulistas dispersos em outros veículos e algumas lideranças empresariais ocultas nas trincheiras corporativas não enxergam heterodoxia demais nessa alquimia. Para esses, fins justificam meios.

Seria, sem dúvida, o golpe dentro do golpe. E há já um número razoável de cidadãos acadelados, como dizem os gaúchos, crendo ser indiferente o nome e a origem do despachante de plantão no Palácio do Planalto, se as vigas mestras da política econômica forem mantidas: arrocho fiscal inédito, inflação baixíssima assim obtida graças à indigência da atividade econômica, desemprego estratosférico e desmonte dos mecanismos de intervenção do Estado na economia –inclusive aqueles inerentes aos órgãos regulatórios.

Sufocado pela resenha policial em que se converteu o noticiário político do país, o Congresso Nacional e seus parlamentares inspiram pouca confiança para reagir a essa nova investida contra a origem das instituições democráticas –o voto.

Existe, entretanto, um caminho para começar a distender a cena política, e ele não dispensa gestos dos dois lados de sua margem.

No primeiro desses gestos, os beneficiários da deposição da ex-presidente Dilma Rousseff têm de admitir que se construiu uma compreensão singular da Lei de Responsabilidade Fiscal com o objetivo exclusivo de trocar o comando do governo eleito nas urnas de 2014.

O enredo das pedaladas fiscais, repetido à exaustão e coonestado pelo Parlamento e pelo Supremo Tribunal Federal, patinou com o verniz da legalidade a violência e a desfaçatez com que se incineraram os votos de 54 milhões de brasileiros –a maioria naquele pleito. Mas os criativos redatores do enredo do impeachment não lograram êxito, e jamais o farão ante a História, de dar legitimidade ao governo instalado depois do espetáculo infame meticulosamente redigido e dirigido pelo presidiário Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados entre 2015 e 2016.

Dilma Rousseff jamais voltará à cadeira da qual foi ejetada. Num gesto de inflexão rumo à necessária reconstrução da trajetória democrática e da normalidade institucional que tínhamos e de que tanto precisamos agora, faz-se urgente o reconhecimento, por parte dos vencedores das batalhas legislativas do ano passado, do caráter peculiar e único daquelas ações. Precisam admitir ante os vencidos que elas só existiram para o fim exitoso almejado.

Sendo bem-sucedida essa ação, abrir-se-á uma senda para que o PT e a própria ex-presidente Dilma Rousseff reconheçam os erros em série que nos levaram à catástrofe política atual.

Novidade alvissareira em 2002, quando Lula venceu José Serra, o Partido dos Trabalhadores travestiu a esperança com os andrajos da velhacaria unindo o que havia de mais podre no meio sindical com o que herdamos mais repugnante no populismo.

Não falo de Lula, personagem gigante da História republicana do Brasil pela coragem com a qual inverteu as prioridades da agenda nacional e nos pôs a jogar o jogo da economia em rota anticíclica em relação ao resto do mundo. Falo do PT, das lideranças regionais e congressuais do partido. A incompetência dos petistas para ler a cena política, aliada à inapetência de Dilma para com as regras do jogo em Brasília e a arrogância que os fez entrar no ringue para um tudo ou nada despidos de táticas e estratégias foram os responsáveis pelo nocaute que derrubou a todos. Para sair do estado de catatonia em que se encontram, esquerda e centro democrático têm de fazer uma expiação pública de culpas e reconhecer pecados.

Só quando um lado e outro do status quo político, vencedores e vencidos do drama solerte que encontrou em Eduardo Cunha um roteirista nefasto e eficaz, assumirem os papéis que lhes coube protagonizar, voltaremos a encarar a política como eixo natural para sair da rota do inferno. E os políticos como correia de transmissão. Caso a remissão dos pecados não ocorra haverá sempre alguém exibindo a toga da ministra Cármen Lúcia e querendo nos fazer crer que valerá a pena apostar em mais esse arremedo de guincho a fim de nos transportarmos para a terra prometida. Não vale.

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