Almanaqueiras: ou não queiras.

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sexta-feira, 17 de março de 2017

Enfim, a pessoa que não respeita gays, bissexuais, transgêneros, transexuais, crossdressers, drag queens... muito provavelmente também não respeita ninguém.

Eles querem ensinar crianças q os travestis são normais? [amor&sexo] 

Tati Bernardi




Waldecir, segurança do meu prédio, puxou papo enquanto eu esperava o elevador: "A senhora que trabalha com TV, pede pro pessoal do programa 'Amor & Sexo' parar de ensinar criança que é normal ser travesti?". Fiquei me perguntando se valia a pena perder alguns minutos discutindo com um senhor de 58 anos, evangélico, criado em família extremamente machista do interior de Pernambuco. A porta se abriu e eu me lancei ao oxigênio ensimesmado e quadrado do apertado ascensor, o diâmetro de um fosso me pareceu mais amplo que a mente daquele homem.

Se a gente começar a discutir com todo taxista malufista, tio reaça que tira foto com PM, jornaleiro fã do MBL, professor de crossfit e publicitário das antigas, talvez nos sobre muito pouco tempo pra viver nossa vida. Então faz o quê? Deixa quieto? Sorri? Concorda com aquele queixo de idosa desistente em missa? Torce para o tormento acabar logo?

Há mais de dez anos, quando decidi virar roteirista de cinema, fui convidada a integrar um grupo de leitura de uma comédia romântica. "Falta alguma coisa nesse filme", o produtor dizia. "Acho que a gente tem que botar uns travecos oferecendo ao protagonista uma chupadinha em promoção". 

Mas o que isso tinha a ver com a história? E por que isso resolveria o problema de duas horas de um roteiro ruim? O produtor não sabia ao certo, mas queria porque "traveco é sempre engraçado". É mesmo? Pessoas que vivem machucadas pelo preconceito, prostituídas pela falta de empregos, carentes de respeito, compreensão e amor... nossa, realmente hilário.

O produtor também achava engraçado dar "sardinhas" na minha bunda, quando eu me levantava da mesa. Também achava engraçado falar na cara de um estreante diretor que o considerava "um merda inexperiente".

Enfim, a pessoa que não respeita gays, bissexuais, transgêneros, transexuais, crossdressers, drag queens... muito provavelmente também não respeita ninguém.

Na semana seguinte Waldecir veio correndo, estava ainda mais perplexo: "O programa só piora, você sabia que o Rodrigo Hilbert se vestiu de mulher? E a Fernanda Lima beijou ele na boca? Eles ensinam pro povo que o quê? Que ser traveco é legal, que aquela gente é normal?". Exatamente, Waldecir. Eles são normais e legais. Você é que anda um tanto chato e paranoico. Pra não falar retrógrado, preconceituoso e ignorante. O que você acha melhor ensinar aos seus filhos (que com certeza já estão dormindo esse horário, você é que fica ali todo excitado vendo o que chama de "coisa do demônio"): dar porrada em todo mundo que considerar diferente ou respeitar qualquer que seja a orientação sexual e visual do amiguinho?

Waldecir, já percebeu como você, apesar de tanta raiva e inconformismo, não perde um episódio? E ainda decora os quadros, os diálogos, as roupas... será que no fundo isso não quer dizer que você gosta? "Eu? Gostar de viado de saia, dona Tatiana? Tá doida?". Não, Waldecir, gostar de gente em suas mais complexas e lindas formas de expressão.

Toda temporada de "Amor & Sexo" é divulgada como a última. Acho que eles têm medo que o assunto se esgote, que Fernanda perca a graça (aff! Nunca!), que a mensagem perca a força. Jamais. Ainda falta emocionar, educar e incomodar muita gente. Vida longa ao melhor programa da Globo de todos os tempos.

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