Almanaqueiras: ou não queiras.

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sexta-feira, 3 de março de 2017

Daí porque é tão tentador para governantes adotarem o ódio como política pública, o populismo como teoria de mudança: a ideia é unir-se contra um inimigo comum que estraga a pátria –o outro.

Ódio volta a dar voz ao racismo 

Claudia Costin




Em 2015, no Estado americano da Geórgia, um jovem casal irrompeu numa festa de aniversário de uma criança negra de oito anos, ameaçando os convidados e agredindo as crianças presentes. Levavam com eles a bandeira confederada. Há poucos dias foram condenados a muitos anos de prisão pelo crime, motivado, segundo o juiz, por ódio racial.

Na mesma semana da condenação, chegou a público a informação de que centros comunitários e escolas judaicas, em pelo menos 11 Estados americanos, sofreram ameaças de bomba, a quinta onda de ameaças desse tipo em 2017. Isso se deu logo após a vandalização do cemitério judaico da cidade de Saint Louis, o que ocorreu novamente, numa clara mostra de destemor, uma semana depois.

É claro que algo que se acreditava ter se recolhido às páginas da história parece estar de volta. O racismo aberto, com ligações a grupos ativistas, ganha força num mundo claramente bipolar. O racismo presente no dia a dia dos habitantes de nosso planeta volta a ganhar voz em comunidades organizadas e almeja tornar-se novamente política pública.

Afinal, como disse Sartre em sua magnífica peça "Entre Quatro Paredes", "o inferno são os outros". Se há desemprego, se o governo é desonesto ou medíocres prosperam, isso se deve a uma categoria em busca de definição, o outro. Essa foi a retórica do nazismo, numa Alemanha em hiperinflação e com o orgulho ferido no pós-guerra.

O ódio não se dirige apenas a membros de uma sociedade que são de outra raça. Destina-se também a quem é estrangeiro, segue outra crença ou tem outra orientação sexual. Se o outro não existisse, é a psicologia do ódio, meus problemas estariam resolvidos, o meu país seria melhor, não haveria desemprego ou inflação.

Daí porque é tão tentador para governantes adotarem o ódio como política pública, o populismo como teoria de mudança: a ideia é unir-se contra um inimigo comum que estraga a pátria –o outro. É na alteridade que o líder genial das massas busca a solução para construir seu projeto de poder.

Fernando Pedreira, no "Summa Cum Laude", obra de 1999 em que buscava entender o sentido do século 20, dizia que, com a derrota do nazifascismo, nunca mais o ódio racial seria erigido em política de governo, mesmo que grupos vociferassem slogans com esse conteúdo. Espero que esteja certo.

É triste notar, no entanto, que o campo de cultura do ódio volta a ser cultivado com empenho em muitos países, inclusive aquele dirigido a quem pensa de forma distinta da 
visão hegemônica. Não há tirano mais poderoso do que o que autorizamos habitar em nossas almas, numa aceitação passiva do ódio aprendido.

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