Almanaqueiras: ou não queiras.

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segunda-feira, 6 de março de 2017

a cada dia que passa, fica mais claro que tem muito mais gente, além do PT, que precisa fazer sua autocrítica e abandonar as próprias análises autocomplacentes. Falta a autocrítica do impeachment.

Não só o PT precisa fazer autocrítica 

Celso Rocha de Barros 




Anteontem, nesta mesma Folha, Demétrio Magnoli teceu críticas à minha coluna de semana passada. Suas objeções foram razoáveis e o tom de seu texto foi civilizado. E, no entanto, nossa discordância persiste.

Na coluna de segunda passada propus que a briga recente dos colunistas conservadores refletia um conflito mais profundo dentro da direita: apoiar a Lava Jato até o fim é arriscar derrubar Temer; e derrubar Temer é arriscar o futuro das reformas econômicas.

Magnoli despreza a briga entre os colunistas conservadores como algo que "só tem relevância para almas viciadas nas guerrilhas crônicas das redes sociais". Bem, foram essas almas viciadas que lideraram as passeatas pelo impeachment. Se a direita moderada aceitou essa liderança, não pode esperar escapar inteiramente do contágio das besteiras que os malucos gritam no YouTube.

Na direita moderada é comum descrever o impeachment como uma lição, uma volta da razão após a loucura petista. Não foi isso. O nível do jogo sujo envolvido na derrubada de Dilma Rousseff é mais claro a cada áudio vazado. Se o bom senso tiver vencido alguma coisa, terá sido por sua disposição de se aliar a coisas muito, muito ruins.

Parte da picaretagem era o discurso de que havia algo excepcional na corrupção petista: exatamente o discurso que Magnoli tenta reciclar quando diz que o PT criou o "Estado-Odebrecht".

Contra isso, todos os fatos: a Lava Jato nos mostra a cada nova delação que o cartel das empreiteiras financiou todos os grandes partidos nas últimas décadas. O PT, como partido centralizado, administrava o que roubava centralizadamente. Os partidos de direita, que são só associações entre caciques, deixavam que cada cacique administrasse seu esquema. Quem quiser ver nisso uma diferença fundamental, boa sorte. O hospital que não foi feito com o dinheiro roubado é o mesmo nos dois casos.

Magnoli também postula que as reformas são necessárias porque a Nova Matriz Econômica destruiu a economia; e que as reformas não estariam ameaçadas se Temer caísse, porque são necessárias. Está errado nos dois casos.

Os economistas liberais produziram boas críticas da Nova Matriz Econômica, mas não fizeram só isso: também identificaram uma crise fiscal de longo prazo no Brasil, que precisa ser enfrentada. As barbeiragens de Dilma foram muito ruins, e anteciparam esse acerto de contas; mas ninguém razoável acha que a Reforma da Previdência é necessária por culpa de Dilma Rousseff.

E a história do Brasil está cheia de reformas necessárias que não foram feitas. É preciso que seja do interesse dos políticos fazê-las. O PMDB está fazendo as reformas para fugir da polícia, comprando o apoio da elite econômica com reformas impopulares. Se Temer cair, terá ficado claro que a estratégia não deu certo. Não há porque supor que, nesse quadro, sobreviveria a aliança entre as facções "Uma Ponte para o Futuro" e "Áudio do Jucá".

Concordo inteiramente com Magnoli sobre a necessidade de autocrítica da esquerda, e compartilho do diagnóstico de que os intelectuais e líderes petistas têm fracassado escandalosamente nessa tarefa.

Mas, a cada dia que passa, fica mais claro que tem muito mais gente, além do PT, que precisa fazer sua autocrítica e abandonar as próprias análises autocomplacentes. Falta 
a autocrítica do impeachment.

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