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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Agora Lula só precisou aparecer bem nas pesquisas para começarem os comentários estúpidos sobre os eleitores nordestinos.

Gado são os outros 

Celso Rocha de Barros




Das outras vezes, pelo menos, esperaram o sujeito ganhar a eleição. Agora Lula só precisou aparecer bem nas pesquisas para começarem os comentários estúpidos sobre os eleitores nordestinos. Dessa vez foi o site "O Antagonista", que noticiou o bom resultado de Lula entre os pesquisados do Nordeste com a manchete "Os bois voltaram para o curral".

Em resposta aos críticos da manchete, os antagonistas lembraram que "curral eleitoral" é uma expressão comum na discussão política brasileira. E, é claro, reclamaram do politicamente correto.

Isso está errado.

"Curral eleitoral" é uma expressão criada para descrever a situação de eleitores brasileiros em épocas em que, de fato, era muito difícil exercer a cidadania livremente,como na Velha República. O voto não era secreto: votar contra o candidato dos poderosos locais era desafiá-los abertamente, o que era muito arriscado.

Dizer "curral eleitoral" para falar da República Velha é descrever um fato histórico. Usar "curral eleitoral" para o Brasil atual é dizer que, mesmo em uma sociedade democrática como a nossa (em que o voto é secreto), os eleitores nordestinos de Lula têm a mesma capacidade de deliberação de gente que votava com medo do coronel. Na opinião dos antagonistas, os eleitores nordestinos de Lula são incapazes de deliberar como homens e mulheres livres mesmo se lhes dermos as instituições da liberdade.

Essa ideia circulou bastante durante o lulismo entre o pessoal da segunda divisão da direita brasileira. Em sua edição 2.329, de Julho de 2013, fl. 56, a revista "Veja" propôs um plebiscito para decidir se os beneficiários do Bolsa Família deveriam ter o direito de se declararem impedidos de votar (era confuso assim mesmo). Após a eleição de 2014, muita gente boa divulgou a ideia de que o "Brasil que trabalha" votou em Aécio, enquanto o "Brasil que depende do Estado" votou em Dilma. A ideia era sempre a mesma: os pobres estão perto demais da subsistência para prestar atenção em problemas morais como a corrupção. Subjacente ao raciocínio estava a ideia de que Lula sempre disputou o segundo turno contra "A Ética", e não contra esses tucanos que agora aparecem nas delações.

Diga o que quiser de 2016, ele pelo menos matou essa tese, entre outras celebridades.

O experimento que matou a hipótese é o governo Temer. Os ricos brasileiros, que, podemos supor, não estão perto demais da subsistência, apoiam o governo a despeito das denúncias de corrupção contra ele.

Os ricos não silenciam porque aprovam a corrupção do PMDB; os pobres não aprovavam as roubalheiras petistas; nos dois casos, ricos e pobres votam porque o governo corrupto em questão implementa políticas que correspondem às suas preferências. E porque os outros candidatos não lhes parecem muito mais honestos.

Isso não quer dizer, repito, que ricos e pobres não se preocupem com a corrupção. Só que todos tentam equilibrar essa preocupação moral com a defesa de seus interesses. Isso é uma vida humana. Nem ricos nem pobres são, em geral, mártires.

Refutada a tese dos antagonistas, nos resta esperar que a direita brasileira passe a tratar os eleitores pobres como pessoas racionais cujos votos podem ser conquistados com melhorias em suas perspectivas de vida. Será uma revolução.

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