Almanaqueiras: ou não queiras.

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sábado, 3 de dezembro de 2016

vai se preciso desenhar, Professor.

ENTÃO, O SR. É A FAVOR DO ABORTO?
(Entrevistas que não deram certo. Nº 57)

Wilson Gomes





Professor, então o Sr. é a favor do aborto?

-"Eu? Não, nunca disse isso"

Ué! Então o Sr. é contra o aborto?

-"O aborto? De quem? rs. Não, de jeito nenhum".

O Sr. não tem posição sobre essa questão, então?

- "Depende do que significa 'esta questão'. Abortos ocorrem, por muitas razões, várias delas naturais, independentemente das minhas preferências morais ou políticas. Enquanto processo natural, ser a favor ou contra é tão irrelevante quanto ser a favor da gravidade ou contra o câncer. Enquanto processo social, a minha preferência tampouco soma alguma coisa. Sou contra o abandono de crianças e velhos, o desamparo paterno, crianças vivendo na miséria etc. Somos todos contra isso, ao que eu saiba. Isso não obstante há tudo isso no mundo. Eu sempre tomo posição, mas posições nem sempre são preferências e preferências nem sempre são relevantes".

Hmm... certo. Tá. Hmm... (desalento)

"Mas eu tenho uma posição sobre interrupção de gravidez".

É? (olhinhos brilhando). E qual é?

"Eu sou a favor de que os indivíduos tenham o direito de decidir sobre a interrupção ou continuidade de uma gravidez indesejada (ou indesejável). Eu sou contra a transferência desta decisão para qualquer outra instância - Estado ou Igreja -, que não seja o indivíduo. Eu sou a favor de que o Estado assista os indivíduos que decidem interromper uma gravidez, dentro das suas políticas públicas de saúde".

Sim, mas então o Sr. é a favor do aborto.

"Meu amigo, quem pode ser a favor do aborto? O aborto é um violência química e psicológica ao corpo da mulher. Não há nada de bonito, agradável, nele. A pergunta sobre 'você é a favor do aborto' trata a decisão de interromper uma gravidez como se fosse uma mera preferência, um ato leviano. Não há leviandade no aborto. Onde há leviandade é no tratamento jornalístico ou político do aborto como uma leviandade".

Mas, professor, perguntar sobre abortar e sobre interromper a gravidez não é a mesma coisa?

"Não é uma questão semântica. A diferença está em perder de vista o que é mais importante. E o que é mais importante aqui? Em primeiro lugar, a questão da liberdade individual versus o controle do Estado sobre uma decisão que diz absolutamente respeito ao indivíduo e à sua consciências. Nem o Estado nem, muito menos, a Igreja, podem chegar a tanto. Criminalizar a interrupção da gravidez em qualquer momento do processo, desde a fecundação, é conceder poder demais ao Estado sobre as minhas decisões existenciais. Há certas esferas da minha vida (decisões sobre religião, parceiros amorosos ou sexuais, profissão, quantos filhos devo ter, orientação sexual etc.) das quais o Estado deve estar afastado. A escolha por continuar o não uma gravidez é uma delas".

Há uma segunda coisa?

"Sim, o Estado não deve se meter a fazer o que não lhe cabe (decidir se quero deixar prosseguir esta gravidez apenas iniciada), para fazer melhor o que lhe cabe: dar assistência à mulher que decide não que esta gravidez deve ser interrompida, principalmente às mulheres pobres. Entrar na minha intimidade para decidir que o ovo ou o embrião são um membro da sociedade cuja vida deve ser preservada não é de fato a proteção à vida humana que cabe ao Estado. Quero ver este amor à vida humana na proteção da vida das mulheres pobres entregues aos carniceiros, sem assistência ou amparo, que morrem feito moscas neste país. Por que a vida de uma cidadã adulta poderia valer menos para o Estado do que a vida de um ovo ou de um embrião, escapa à minha Metafísica".

Então, o Sr. é a favor do aborto!

"Boa noite"

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