
Rosa Freire d'Aguiar
Brasil 1975, Geisel anunciava a distensão política. Celso Furtado já somava onze anos de exílio. Meses antes Plinio de Arruda Sampaio — cassado na mesma leva que ele, em 9 de abril de 64 — lhe transmitia um recado do cardeal dom Paulo Arns: ele queria fazer da PUC de SP “uma universidade livre e eficiente” que acolhesse alguns exilados. Dom Paulo cogitava de Celso para diretor do instituto de economia, mas Celso era professor da Sorbonne e só podia se ausentar por um semestre.
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Fez a mala e partiu, com a esperança de retomar a vida “normal” no Brasil. Mas os tempos ainda eram muito bicudos. A iniciativa de dom Paulo irritou a TFP. Para quem não lembra, a Tradição, Família e Propriedade era um misto de seita religiosa e milícia fascista que desfilava por São Paulo clamando contra o comunismo. Dom Paulo também pediu a seus assessores que consultassem outros figurões da ditadura para sondar a reação à volta de Celso ao país. Armando Falcão, ministro da Justiça, disse que “eles estão um pouco assanhados, mas é bom que Celso venha, para testá-los”. Golbery, chefe da casa civil, repetiu o adjetivo: “O Frotinha anda assanhado”. Frotinha era o Silvio Frota, ministro do Exército, que acobertou naquele ano o assassinato do Vladimir Herzog.
Celso soube desse e de outros “assanhamentos” numa longa conversa com dom Paulo. Agradeceu a oportunidade de ter dado um curso na PUC, e voltou para a França bastante pessimista.
Doze anos depois, se reencontraram nas diversas reuniões da Comissão Sul presidida pelo Julius Nyerere: entre as quase trinta personalidades do Sul, eram os dois únicos brasileiros. Foi numa dessas reuniões que ouvimos um ministro, membro da Comissão, se referir a ele como “nuestro gran señor don Quijote”. Dom Paulo era mesmo un gran señor. Corajoso e destemido como o Quixote.
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