Almanaqueiras: ou não queiras.

Almanaqueiras: ou não queiras.

domingo, 30 de outubro de 2016

Nem durante a ditadura aconteciam coisas assim.

Algemaram os garotos em Miracema

Elio  Gaspari 



Há mais de um ano a rotina das prisões de larápios do andar de cima cumpre um protocolo. Contornando o constrangimento das algemas, os presos aceitam caminhar com as mãos cruzadas às costas. Há duas semanas foi preso em Palmas o ex-governador do estado de Tocantins, doutor Sandoval Cardoso, e a polícia escoltou-o até o Instituto Médico-Legal. Ele não foi algemado, porque no mundo dos marmanjos do andar de cima as coisas funcionam assim.

Em Miracema, cidade a 78 quilômetros de Palmas, a PM algemou estudantes que haviam ocupado uma escola. Segundo o Ministério Público, o promotor ordenou que dois jovens fossem algemados porque resistiam à ação da polícia. Uma universitária que participava da invasão disse que foi algemada com um menor de 15 anos.

Segundo o Ministério Publico, a escola foi invadida com o apoio de pessoas estranhas. Há orquestração nas ocupações de pelo menos 752 escolas e 14 universidades, mas os encarregados da manutenção da ordem precisam entender que o problema adquiriu uma nova dimensão. Nela, algemando-se estudantes joga-se gasolina na fogueira. Em 2013, foi a truculência da polícia de São Paulo que levou o Brasil para a rua.

Algemaram os garotos numa semana em que o presidente do Senado chamou um magistrado de “juizeco”, a presidente do Supremo Tribunal Federal disse que não tinha horário livre para uma reunião com o presidente da República, e o ministro Teori Zavascki suspendeu uma investigação impertinente ordenada pelo magistrado que o senador chamou de “juizeco”.

Os mecanismos de protesto e manipulação que resultaram na ocupação das escolas foram disparados pela bagunça dos adultos poderosos de Brasília. O presidente Michel Temer, que se apresentou ao país como um “pacificador”, resolveu reformar o ensino médio do país editando uma Medida Provisória. Nem durante a ditadura aconteciam coisas assim.

Lula, o menino que leva a bola para casa

Na manhã da votação do primeiro turno, Lula foi a um colégio de São Bernardo e anunciou: “O PT vai surpreender nesta eleição”. Era o Lula de sempre, gritando vitória numa greve perdida ou anunciando triunfo numa eleição condenada. Abertas as urnas, os candidatos do PT ficaram fora do segundo turno em São Bernardo e São Paulo. Seu enteado não se reelegeu vereador. O partido surpreendeu porque tinha 644 prefeituras e ficou com 261. Capital, só a do Acre.

Desastres eleitorais fazem parte da vida, e o de Nosso Guia fez por onde. Fora do segundo turno na sua cidade, Lula anunciou por meio de um porta-voz que talvez não vá votar hoje. Aos 71 anos, tem esse direito. Ainda assim, fica na posição do garoto que está perdendo o jogo e leva a bola para casa.

São Bernardo não é apenas seu domicilio, mas é também a nascente eleitoral de seu maior herdeiro politico, o metalúrgico Luiz Marinho. Ele governa a cidade desde 2009, depois de ter sido ministro do Trabalho e da Previdência. Em 2008, quando elegeu-se pela primeira vez, fez uma das campanhas mais caras do país e foi o candidato que recebeu maior empenho pessoal de Lula, indo a três comícios e uma carreata. Desta vez, para não atrapalhar a vida de seus correligionários, ficou de fora.

Lula é de uma geração que foi para a rua pedindo mais eleições. Não precisava avisar que não pretende votar, pois serão muito os septuagenários que irão às urnas. Além disso, não seria obrigado a votar em qualquer dos dois candidatos. Como já ensinou o professor San Tiago Dantas, “a abstenção é uma forma de voto”.

Madame Natasha

Natasha não faz questão que a chamem de madame e acredita que o idioma tem uma dívida com Marcela Temer. Desde que ela chegou ao pedaço, pararam de chamar a mulher do presidente da República de “Dona”.

Michelle Obama é Michelle, mas a mulher de Lula era “dona Marisa Letícia”. Natasha lembra-se do tempo em que a mulher do sindicalista barbudo era apenas Marisa.

O uso desse tipo de tratamento tem um toque senzalesco, como se a sinhá do presidente fosse dona dos súditos. Esquisito, porque a doutora Rousseff, que tomou conta da casa-grande, nunca foi chamada de “Dona Dilma”.

Recordar é viver

Por falta de assunto, de candidatos e de paciência com os políticos, aqui e ali pipoca uma especulação em dois tempos:
O Judiciário cassa a chapa Dilma-Temer, vagando a Presidência da República.

Isso acontece depois de 1º de janeiro, e o novo presidente deverá ser eleito pelos parlamentares que estiverem em liberdade. Ele governará até 1º de janeiro de 2019. A candidatura rola para a cadeira da presidência do Supremo Tribunal Federal, e, assim, a ministra Cármen Lúcia assume.

Repetir-se-ia, parcialmente, o modelo de 1945, quando o presidente do STF, ministro José Linhares, foi colocado no Palácio do Catete. Ele assumiu num momento de anarquia militar e, ao ser convocado, perguntou onde estava Agamenon Magalhães, seu padrinho e responsável pela sua ida para o Tribunal. Preso, informaram. Soltem-no, pois do contrário não assumo.

Linhares ganhou o apelido de José Milhares, pela quantidade de parentes que empregou. Ele governou de outubro de 1945 a 31 de janeiro de 1946.

Réus ilustres

Na conta de quem viu a papelada, a colaboração das empreiteiras levará para os tribunais superiores pelo menos dez governadores e ex-governadores.

O prosseguimento das investigações incentivará o turismo doméstico para a rede hoteleira federal de Curitiba.

Sou mais eu

A prisão do empresário Mariano Marcondes Ferraz foi mais uma aula da Lava-Jato para o andar de cima. Ele é um funcionário da multinacional Trafigura, a terceira maior operadora do mundo no mercado de petróleo e minerais. Ele e a empresa caíram na rede da Lava-Jato há mais de dois anos e acreditaram que estavam acima do alcance da investigação.

O “sou-mais-eu” levou Marcondes Ferraz para Curitiba. Numa ironia desta vida, Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras que denunciou a Trafigura e ajudou a detonar outros petrolarápios, ralou sua cana em regime fechado, passou para a prisão domiciliar e desde o início do mês está no semiaberto, com tornozeleira eletrônica.

Os sádicos

Michel Temer deve tomar cuidado. Em seu governo há uma boa dúzia de sábios especializados em anunciar medidas amargas que encantam aquilo que se chama de mercado. Vem um e revela mudanças no regime trabalhista, outro antecipa mordidas nas pensões, e um terceiro quer taxar quem aluga seu apartamento por temporada.

Os sábios sádicos parecem desajeitados, mas são espertos. Fritam o governo, mas quando ele acaba conseguem bons empregos nas empresas cujos interesses defendiam. Em geral, aninham-se no mundo do papelório.

Nenhum comentário:

Postar um comentário