"Chatô", o filme mais longo de todos os tempos
Há 20 anos "Chatô" se arrasta, inconcluso, numa trama que combina má gestão de dinheiro público, um diretor ambicioso e processos judiciais

Capítulo 1
O JOVEM VISIONÁRIO
No final de 1994, uma mesa no restaurante Plataforma, no Rio de Janeiro, reuniu o escritor Fernando Morais, o cineasta Luís Carlos Barreto, o Barretão, e o jornalista Eric Nepomuceno. Fernando estava no Rio para uma noite de autógrafos de seu livro Chatô – O rei do Brasil, biografia do empresário Assis Chateaubriand. Na mesa ao lado, jantavam o ator Guilherme Fontes, sua mulher, Cláudia Abreu, e a amiga Malu Mader. Guilherme tinha 27 anos e uma carreira brilhante até ali. Era um ator inteligente e ousado. Naquele ano, protagonizou ao lado de Vera Fischer a peça Desejo, dirigida por Ulysses Cruz. Antes da estreia, numa briga com os atores, o diretor tentou impedir na Justiça as apresentações. Guilherme assumiu a produção, arrumou outro diretor e a temporada foi um enorme sucesso, o que o encheu de confiança.
No restaurante, o ator chamou de lado Fernando Morais, que conhecera ali, e cochichou: “Se você estiver negociando os direitos de Chatô com o Barretão, não fecha com ele porque eu quero fazer uma proposta”. De fato, Fernando e Barretão negociavam desde antes de o livro chegar às prateleiras. Barretão recebeu em primeira mão as provas da biografia e ofereceu US$ 75 mil para adaptá-la para o cinema. Mesmo sem experiência no ramo, Guilherme estava convencido que aquele filme era seu. Em encontros seguintes com o autor, fez uma proposta irrecusável: pagaria US$ 150 mil e mais 10% da receita de cada produto comercial lançado. Metade do dinheiro foi paga quando fecharam o negócio.
O primeiro resultado desse acordo veio no ano seguinte. Guilherme assinou contrato de R$ 1 milhão para produzir uma série de documentários sobre Chateaubriand para a Globosat, dirigida por Walter Lima Júnior. O ator começou a circular por Brasília. Conheceu o presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro da Cultura, Francisco Weffort. Sedutor e articulado, tinha trânsito fácil em qualquer roda. Em novembro de 1995, conseguiu a assinatura de Weffort para um projeto ousado de R$ 12 milhões, um dos maiores orçamentos do cinema brasileiro até ali. Previa fazer um filme com 50 locações, 5 mil figurantes, gravado em cinco Estados e com cenas em Nova York, Londres e Paris. O dinheiro viria de incentivo fiscal através da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual. O filme seria lançado em 1997.
Guilherme se mostrou um excelente captador de recursos. A fama na TV lhe garantia acesso a executivos do primeiro escalão das empresas. Ligava diretamente para presidentes de companhias, era recebido e ouvido com atenção. No primeiro ano, conseguiu R$ 1,2 milhão da Volkswagen, R$ 700 mil da antiga Telesp, R$ 380 mil da Ipiranga e R$ 320 mil da White Martins. No ano seguinte, arrancou R$ 1 milhão da Petrobras, R$ 280 mil do BNDES, R$ 440 mil do Citibank e R$ 480 mil da Credicard. Numa situação absolutamente atípica para o mercado, seu advogado chegava a receber ligações de empresas interessadas em patrocinar o filme. Guilherme estipulou novo prazo de lançamento, para o final de 1999. Estimava que seu Chatô teria 5 milhões de espectadores e a bilheteria renderia US$ 25 milhões. Aos 29 anos, deu entrevista a um jornal que o apresentou, em título, como “O novo Barretão”.
O sucesso do jovem ator despertou ciúme no mercado cinematográfico e no próprio Barretão, já preterido na venda dos direitos autorais. Guilherme estava no auge. Depois do fim do relacionamento com Cláudia Abreu, namorava a não menos linda Luana Piovani. Deu um passo ainda mais ambicioso: imaginou que poderia fazer de seu filme uma produção internacional, estrelada por Dustin Hoffman e coproduzida por Francis Ford Coppola, famoso diretor da trilogia O poderoso chefão e de Apocalypse now. O personagem Assis Chateaubriand, acreditava, tinha uma história de fôlego para sustentar o interesse estrangeiro. Guilherme conheceu um associado de Coppola e entabulou conversas para uma possível associação. Em dezembro de 1997, conseguiu um empréstimo de R$ 530 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para a compra de equipamentos. E convidou Coppola para vir ao Brasil com tudo pago. Era o início de uma aventura cara.

O diretor Francis Ford Coppola com Guilherme Fontes, no Brasil. O americano declinou da parceria, apesar de paparicado (Foto: Bel Pedrosa/Folhapress)
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