Senhor, livrai-me das tentações, mas não hoje
Por Xico Sa
Recordo a casa com varanda, minha mãe lá dentro dela… O Roberto mais freudiano, faixa “O divã” na vitrola.
Cantei muito esta, indagorinha, na companhia dos amigos bons de São Luís, lá na madruga do Chico Discos, um bar-sebo, preciosidades na bagaceira das prateleiras e mulheres com o feitiço da misteriosa serpente que vive sob as pedras históricas da lenda-mor da Ilha.
Meu corpo cansado e eu mais velho/ Meu sorriso sem graça chorou/ Ah, como eu amei! Agora já estamos com o Benito de Paula, gênio do piano, pianinho, pois viver é maciota, só o vento sabe a resposta, já dizia um best-seller das antigas.
Viver eu sei lá que diabo é isso. Viver é um frege, um frevo em New Orleans, Bitches Brew, de Miles Davis, pela Orquestra Contemporânea de Olinda. É só um risco no disco, meu amor proibido em 78 rotações por minuto.
Agora mudando de pau para cacete. Hoje é meu aniversário, por isso que estou com esse papo aranha sobre o tempo. Hoje é aquele dia em que um amigo sacana repete a secular piada sobre a busca das pregas perdidas.
No natalício, viro homem do mato, me escondo, peço penico a um Deus possível, tiro onda relembrando as lições que aprendi ao ler e reler “Resoluções – Quando Eu me Tornar Velho”, o extraordinário manual de Jonathan Swift, o mesmo sábio das “Viagens de Gulliver.”
O irlandês, que viveu exageradamente para os padrões da época (1667-1745), nos deixou um receituário que pode nos ajudar a envelhecer da melhor forma. Se é que é possível envelhecer com decência. Prefiro não.
Logo de cara, o autor, adverte sobre as lolitas: “Não casar-me com uma mulher jovem”. Deus é colágeno, ele envergonhadamente admite.
Corra, tiozinho, corra! Mesmo sabendo que mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor. Mesmo sabendo, como diz o mesmo cancioneiro, que “pra cavalo velho o remédio é capim novo”.
Fundamental: “Não ser rabugento ou taciturno, ou desconfiado.” Se tem uma coisa que chama e que apressa a velha fatal da foice é a tal da rabugem.
Agora o mais grave e mais difícil para um homem envelhecido em barris de carvalho: “Não contar a mesma história de novo e de novo às mesmas pessoas.” E este é justamente o maior pecado deste cronista repetitivo.
É, contar a mesma história, com empolgação de quem conta uma novidade, é um dos maiores sinais que a velhice chegou. Seja qual for a sua faixa etária.
O tempo passando e eu mais velho. Como eu amei!
Uma imagem a zerar, como me receita o amigo Paulo César Peréio.
E neste balaio de gatos e citações, vale ainda e sempre o eterno mantra para envelhecer sem decência alguma, caros librianos: “Senhor, livrai-me das tentações, mas não hoje” (Santo Agostinho).
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