Almanaqueiras: ou não queiras.

Almanaqueiras: ou não queiras.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

CRIANÇAS COM DINHEIRO SUJO

Um dos momentos mais felizes de minha vida foi quando eu era criança. Foi um período em que eu tive muita sorte. Entre outras sortes uma foi especial. Foi a sorte de ter muito dinheiro. Sim, isso mesmo, eu, criança, tendo muito dinheiro. Bastante dinheiro. Era eu e meus amigos da Praça do Espinho e ruas adjacentes.
Com o dinheiro que tínhamos comprávamos tudo o que a gente bem entendesse. Sim, porque era muito dinheiro. É verdade que não era a quantidade de dinheiro que o Riquinho, o das histórias em quadrinhos, tinha. Mas era muito dinheiro.
Para uma criança de uma cidade do interior, como Cajazeiras, ter muita grana, era uma coisa fantástica. O detalhe é que havia uma complicação. O dinheiro, era dinheiro sujo. Isso mesmo: dinheiro sujo. E era por isso que nós crianças endinheiradas recebíamos muitas broncas de nossas mães. Sempre as mães, zelosas por seus filhos. Nossos pais não se metiam nessas histórias, mas quando se metiam, já era descendo o cinto em nossos lombos, e aí nossas mães já podiam ir preparando um pano úmido para limpar o peso de nossos pecados em nossas costas. Pecados justos. Mas as broncas de nossas mães eram de verdade, daquelas que deixava a gente cabisbaixo. No entanto, não desistíamos de ter mais e mais dinheiro sujo. Sim, porque nós tínhamos uma capacidade formidável de angariarmos mais e mais dinheiro sujo. Mesmo que para isso tivéssemos que brigar um com os outros pela conquista dessa mufa.
Sim, brigávamos pelo dinheiro sujo como hoje em dia qualquer ser humano que briga para ter muito dinheiro. Não questionávamos o dito popular de que ‘dinheiro não traz felicidade’. Uma ova! Para nós, crianças, dinheiro, sim, trazia muita felicidade. Nossos sonhos eram realizados, comprávamos o que bem entendêssemos. Dávamos gorjetas popudas para nossas mães mesmo tendo que recebermos bronca porque levávamos dinheiro sujo para casa.
Até parecia que éramos verdadeiras gangues brigando por dinheiro sujo. Livremente pelas ruas de Cajazeiras conseguíamos esse dinheiro sujo. As autoridades não tomavam conhecimento desse nosso comportamento ganguerista. Nem Zezé, aquele carequinha com ar de bonachão, que era oficial de justiça, e que nós tínhamos medo dele por ser um homem da lei, não nos impedia de arranjar dinheiro sujo pelas ruas de Cajazeiras. Sabíamos perfeitamente como conseguir esse dinheiro sujo sem sermos incomodados.
Nossos bolsos só andavam cheios. E eram notas de valor alto. Comprávamos sorvetes, balinhas, chocolate, sucos, vitamina e bolo de leite na lanchonete de ‘seu’ Dirceu Galvão sem dó, e, nem queríamos o troco de tanta fartura era o dinheiro. Esbanjávamos mesmo. É a tal coisa: dinheiro fácil faz a gente gastar sem beira nem eira. Era como dinheiro ganho em jogo de bicho. Quando a gente ganha, torna a jogar até desfazer do que ganhara.
Apesar do dinheiro sujo que tínhamos, nunca pensamos em montar um esquema para assaltarmos a agência do Banco do Brasil de Cajazeiras, e nem a agência do Banco do Estado da Paraíba. O dinheiro era sujo, mas não estávamos preparados para entrarmos numa sujeira dessas, não.
Apesar do dinheiro sujo, não fizemos nenhum acordo com Higino do jogo do bicho para aumentarmos nossas posses e a dele também. Não queríamos compartilhar a banca do jogo do bicho com o dinheiro sujo que botávamos banca.
Apesar do dinheiro sujo, da facilidade que tínhamos em consegui-lo, jamais rasgamos dinheiro e nem fizemos sururu como faz Sílvio Santos em seu programa de auditório.
Apesar do dinheiro sujo que tínhamos, não entregávamos ninguém para ninguém. Era uma espécie de código de ética. A sujeira ficava entre nós mesmos.
E que porra de dinheiro sujo era esse? De onde provinha? Como que crianças andavam pra cima e pra baixo com os bolsos esborrotando de dinheiro sujo e ninguém de Cajazeiras falava nada, a não ser nossas mães com suas broncas renitentes?
O segredo era o seguinte: nós, crianças da Praça do Espinho e cercanias, encangados no mirante de nossa infância, produzíamos nosso próprio sistema monetário. Catávamos pelas ruas de Cajazeiras carteiras vazias amassadas ou não de cigarro continental, hollywood e minister e desmanchávamos e, de forma aberta, amassadas para dentro nas laterais tínhamos um nota de dinheiro em nossa imaginação. Atribuíamos os valores altos das notas reais do cruzeiro, moeda da época, e nos sentíamos os verdadeiros ricos de Cajazeiras. As vezes ficávamos falando sozinhos com comerciantes, fazendo transações comerciais ou simplesmente gastando dinheiro à mancheias em lanchonetes e cinemas da cidade, ficticiamente.
Andavámos cabisbaixos pelos meio-fios a cata de carteiras de cigarros, e, às vezes, acompanhado por outro colega, tínhamos disputas pelo que tinha visto primeiro a carteira de cigarros.   
Chegávamos em casa, depois de brincar na rua, com os bolsos cheios dessas notas de carteiras de cigarros, e, portanto, os bolsos ficavam fedendo a cigarro, a fumo, e daí as broncas de nossas mães dizendo que não éramos nós que íamos lavar nossos shorts imundos de catinga de cigarro, portanto que parássemos com essa brincadeira fedorenta.
Ficou um consolo: brincávamos com notas de cigarros mas não fumávamos. Nem de brincadeira!

Eduardo Pereira
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