Conhecimento pode servir só para criar galinhas ou pode ajudar a ver além
Um país exporta frangos. Começou só arrancando do chão o que ali dava, servindo de quintal alheio. Mas desenvolveu tecnologia suficiente para chegar à idade agrícola, como outras civilizações 10 mil anos mais velhas; importou um pouco de educação, suficiente para formar uns poucos locais para que cuidassem dos que mais precisavam de cuidados e para que advogassem a favor de quem pudesse pagar. Treinou suficientemente outros poucos para que aprendessem com estrangeiros a usar animais para fabricar anticorpos sob encomenda —o que o país usa bem para manter sua população grande e saudável o suficiente para trabalhar criando galinhas. Afinal, alta mortalidade infantil não é coisa de país desenvolvido e uma boa imagem ajuda a vender galinhas.
Um outro país exporta os melhores microscópios e veículos de transporte do mundo. Começou também arrancando o que brotava da terra e aprendeu a fazer o pouco de terra que tinha produzir mais. Já que não era tão sortudo, logo começou a se virar para encontrar maneiras de transformar o que podia tirar do chão em algo invejado por outros países e, portanto, mais valioso.
Os ricaços locais ficaram cada vez mais ricos e orgulhosos de suas lentes inigualáveis que revelavam uma nova dimensão de vida que outros países nem suspeitavam existir. Resolveram investir no seu senso nascente de superioridade intelectual. Exageraram na superioridade, tomaram uma paulada e começaram de novo, desta vez tentando fazer direito.
Para continuar descobrindo como o mundo funciona sem precisar esperar que os outros digam, o segundo país mantém um grupo de curiosos profissionais altamente educados e fornidos de instrumentos para garantir que eles continuarão enxergando novas questões sempre à frente dos outros países, abrindo o caminho para quem quiser seguir.
Quando em dúvida sobre em quais questões investir, convidam os especialistas de outros países e pedem suas opiniões. Recentemente, se deram conta de que mais educação aumentava o bem-estar e saúde da população, e, portanto, a produtividade, e tornaram suas universidades gratuitas.
O primeiro país notou que não precisava de nada disso. Cientes de que controle é a essência do poder e quem domina o conhecimento detém as rédeas e só precisa de mais cavalos para puxar a carroça que leva os frangos para o mercado, os ricos ficaram mais ricos cada vez mais rápido, e resolveram investir no seu senso de esperteza.
Dizem que até hoje não tomaram paulada. Recentemente, pararam de jogar dinheiro fora com seus curiosos profissionais e estão considerando cobrar pelo acesso às universidades. Porque afinal, educação além do mínimo necessário para criar e vender frangos é desperdício.
Suzana Herculano-Houzel
Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).
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