O brasileiro enlouquecido pela política
Publicado em 1935, “Marafa” é o primeiro romance de Marques Rebelo. Segundo o Aurélio, a palavra-título significa “vida desregrada, licenciosa, libertina”.
Certo tipo de carioca, que resiste no tempo e em alguma parte escondida do Rio, anestesiado pelo Carnaval, pelo futebol e pelo linguajar de gírias perdidas, é o seu tema.
Obra de capítulos curtos e estilo coloquial, trata de prostitutas do Mangue, cafetões, boxeadores, presidiários, pequenos funcionários públicos que vivem na cidade ainda provinciana, recém-industrializada.
“Magro, boca rasgada, face terrosa e ossuda”, Baltazar faz só uma ponta na galeria de personagens, mas, desde a primeira leitura do livro, se tornou inesquecível para mim. Até porque o Brasil vem se transformando num país de baltazares.
É aquele sujeito que fala alto e quase cuspindo, segura no braço, dá cutucões na barriga, não sabe conversar sem se pendurar no interlocutor. Daí seu apelido: “Carne em Açougue”.
Um filósofo de cafezinho que tem um fraco na vida: a política. E o que entende dela é manter-se numa oposição sistemática. Ficar sempre do outro lado, seja qual for a situação.
Para ele, três revoluções diárias não bastariam para consertar o Brasil. Baltazar é a versão tijucana da velha piada do náufrago espanhol que chega a uma ilha e pergunta: “Hay gobierno acá?”. E antes que lhe respondam, declara seus princípios: “Entonces, soy contra!”.
Com sua metralhadora de críticas desgovernada e preconceituosa, ele acaba por acertar o alvo. E por se mostrar atualíssimo: “Um cavalheiro, que em qualquer parte do mundo seria gari ou relapso servente de repartição, aqui é premiado com uma pasta de ministro. Faz reformas, dita leis, é considerado administrador, estadista. De gente assim, com cérebro de peru, hábitos de macaco e dentes de rato, que se pode esperar senão esta salada incrível de asneiras?”.
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