Almanaqueiras: ou não queiras.

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quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Procura-se o prefeito, e antes que o governador suma também, tragado numa geografia por onde nunca adentrou, urge alguma providência.

Witzel, onde fica o Buraco da Lacraia? 

Joaquim Ferreira dos Santos



São capazes de confundir o cheiro da erva queimada que sai das Dunas do Barato com o odor que emana da fábrica de sabão Português

Eu respeito o resultado das eleições, mas como exigência para a diplomação do novo governador do Rio de Janeiro, a quem nunca se tinha visto mais gordo, eu aplicaria um teste de geografia da alma carioca, a capital do estado. Perguntaria, respeitosamente, qual é o grupo do veado, se bola ou búlica, com quantos peixes se faz a sopa Leão Veloso do Rio-Minho e se o povo vai finalmente ter acesso ao heliponto de OVNIs construído pelos fenícios no cocuruto da Pedra da Gávea.

O Rio de Janeiro é cidade com um prefeito desaparecido há tempos, um senhor perdido em alguma viela dentro da Travessa dos Poetas de Calçada ou mais adiante, ainda ali pelo Centro, entre os Buracos do Moreira, do Lume, da Lacraia e da Maysa. São endereços que ele jamais suspeitava existir até ser encarregado de resolver mistérios radicalmente cariocas — onde foram parar os leões do Monroe, qual o local exato do bordel das normalistas de Copacabana e, afinal, quem roubou as vigas da Perimetral.

Procura-se o prefeito, e antes que o governador suma também, tragado numa geografia por onde nunca adentrou, urge alguma providência. Testar a carioquice dos governantes do estado e da cidade é questão de segurança. Evitará gastos no esforço de procurar em que beco se perdeu a autoridade, se no da Fome, no das Garrafas, ou no Joga a Chave meu Amor, todos em Copacabana. Eles não sabem por onde andam. Um teste elementar, sobre a vivência que cada um tem desse quintal à beira-mar plantado, evitará que o governador tenha o mesmo destino do prefeito — e um dia, sem que ainda tenha aprendido a diferença entre a vaca preta, a vaca atolada, a vaca profana e a vaca que foi pro brejo, ele também desapareça do mapa.

O Rio não se administra só com carimbos protocolares e o equilíbrio das contas públicas. Governa-se com respeito aos códigos dessa civilização exótica, um repertório afetivo sob a guarda de um povo que, sempre fino, agora pergunta ao governador desconhecido: tá com medo, tabaréu? E depois do sol, quem ilumina o lar da família carioca? Em que redunda, de sal ou doce, a fórmula de polvilho azedo, leite e ovo?

É preciso que sua excelência, adepto do “bandido bom é bandido morto”, seja sabatinado também sobre nosso passado de inglórias policiais: qual foi aquela que matou o guarda, que tiro foi esse, onde está a ossada da Dana de Tefé e em que rua fica a delegacia onde dá expediente o delegado Espinosa, o anti-herói deprimido dos livros de Garcia-Roza? É questão de governabilidade. Salva-se o eleito do vexame de dar uma de prefeito e sumir por aí.

Nada contra forasteiros. Mas para o sossego dos poderes constituídos é preciso que essas autoridades inesperadas, ignorantes profundos de como se faz um travesseirinho de areia, sejam monitoradas com algum chip eletrônico. Não são daqui. São capazes de confundir o cheiro da erva queimada que sai das Dunas do Barato com o odor que emana da fábrica de sabão Português, na Avenida Brasil — e, sem essas referência do GPS sentimental carioca, jamais vão chegar em casa.

Instruídos com noções básicas de navegação, os doutores não se perderiam ao tentar chegar numa reunião no bar de Ipanema onde o bonde faz a curva. É questão de ordem pública. Prefeito e governador só serão diplomados quando souberem o essencial que rege a agenda dos seus concidadãos — se soprar o sudoeste, vai dar praia?

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