O depoimento do anti-Pinóquio ao imperador de Enrola-Trouxas
Hugo Souza
Há exatos 10 anos, dois antes do início da operação Lava Jato, estreava no mundo inteiro, ou quase, o filme de animação Shrek Terceiro. Uma cena do filme entrava para a história do cinema: a do depoimento de Pinóquio a um ardiloso Príncipe Encantado, que empreendia uma caçada ao ogro famoso que lhe ameaçava o trono. Naquela altura, Encantado acabara de deparar com os Três Porquinhos, o Lobo Mau, o Homem-Biscoito e outros personagens de contos de fadas reunidos em torno de uma mesa de chá. O Príncipe exige informações sobre o paradeiro de Shrek. Diante do silêncio, esbraveja: “Seus inúteis! Acho bom vocês cooperarem com o novo rei de Tão, Tão Distante”.
Depois de uma dura infrutífera dada pelo Capitão Gancho, capanga do Príncipe, no Homem-Biscoito, o próprio Encantado percebe que está ali, bem na sua frente, uma imperdível oportunidade para encontrar e neutralizar Shrek. Ele então dirige-se a um dos comensais em especial, Pinóquio: “Você! Você não pode mentir. Então me diga, boneco, onde está Shrek?”.
Pinóquio, tenso, responde: “Hum, olha, eu não sei onde ele não está”. O príncipe, confuso, insiste: “Quer dizer que você não sabe onde Shrek está?”. Pinóquio, por seu turno, segue empenhado na pós-verdade: “Não seria impreciso supor que eu não poderia não dizer exatamente que isso é ou não é quase parcialmente incorreto”.
“Então você sabe onde ele está!”, volta à carga o Príncipe. “Pelo contrário! — exclama Pinóquio — Acho que eu estou mais ou menos não rejeitando de vez a ideia de que de jeito nenhum com algum grau de incerteza eu inegavelmente sei ou não sei onde ele provavelmente não está, se isso de fato não fosse onde ele provavelmente não está, se lá não fosse mesmo onde ele não está, mesmo ele não estando onde eu saiba…”.
Não é o que você está pensando
Não, não foi qualquer “esquerdista”, “petralha” ou “lulodilmista” quem imediatamente notou e melhor explicou o perfeito timing do que disse o ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma em seu mais recente depoimento ao juiz Sergio Moro, mas sim um notório site antipetista: “Lula encerrou de maneira triunfal sua caravana pelo Nordeste: foi denunciado duas vezes pela PGR e incriminado diretamente por Antonio Palocci na Lava Jato em Curitiba”.
Mas, ao contrário do que poderiam supor apressadamente os mais fervorosos militantes do Partido dos Trabalhadores, não há paralelo imediato que se possa fazer entre o menino Pinóquio e Antonio Palocci, a não ser que ambos, entre tantos e tantos outros, podem bater no peito e dizer sem medo do nariz crescer: “Eu sou o italiano”.
Em Tão, Tão Distante, Pinóquio não podia mentir. Em Curitiba, Palocci não precisa dizer a verdade. Pinóquio se esforçava para não entregar Shrek de bandeja ao seu maior antagonista. Palocci, precisamente o contrário: reúne esforços para entregar a cabeça do ogro indigesto; do ogro que ameaça os que se julgam donos por direito do trono do reino, perfeitamente entendido daquilo que também sabem aqueles que lhe acenam com o encantamento da contação premiada de histórias, ou seja, que as provas sobre o que diz podem ficar para mais tarde, ou podem nunca aparecer, desde que o feitiço tão, tão desejado seja lançado sobre o processo sucessório tão, tão perto.
Palocci, tem, portanto, claro está, natureza diversa da de Pinóquio, o que não impede que no script da Lava Jato o ex-ministro da Fazenda seja mais um a fazer, tal e qual o filho de Gepeto, o papel de marionete viva, apenas substituindo todo o embromation sobre saber ou deixar de saber “de jeito nenhum com algum grau de incerteza” pela lacradora manchete escarlate oferecida em tributo à imprensa do país dos Brinquedos e ao imperador da cidade de Enrola-Trouxas.
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