Wilson Gomes
DUAS OU TRÊS COISAS QUE SEI SOBRE OS NOVOS LIBERAIS BRASILEIROS
Faz já algum tempo que estou de olho nessa gente que se autodenomina liberal e que vai se multiplicando por aí. Há também quem se chame libertário, libertarianista, ultraliberal, mas é tudo família. Não adianta dizer que eles sempre estiveram aí, pois um dos seus dogmas é que não havia partidos, candidaturas ou políticos liberais, "true liberals", no Brasil.
E é inútil dizer que são de direita, pois contra isto eles empregam outra vacina argumentativa: todo liberal, os libertários principalmente, adora reproduzir memes, piadas e deboches em que direita e esquerda se matam. Eles estariam acima e além da contraposição entre essas posições ridículas e igualmente estatistas da direita e da esquerda.
Nas mídias sociais mais descoladas, você vai encontrar uma porção de novos liberais, em geral jovens e muito cientes da sua extrema novidade. Tem um monte deles no Twitter, alguns considerados dos maiores influenciadores políticos do país. E no Facebook, além dos perfis, há um monte de páginas de libertários e assemelhados. Confira aí. Nestas eleições, em muitos lugares apareceram candidatos que se apresentavam como "os autênticos liberais". E, não sei se vocês notaram, temos pelo menos dois partidos, na sorveteria política brasileira de 35 sabores, que reivindicam ser liberais até a medula: o Novo e o PSL repaginado pelo Instituto Liberal, que saltou de 23 para 30 prefeitos. Ainda fazem mais sucesso em mídias sociais do que nas urnas, mas convém não perder-lhes de vista.
Infelizmente, os novos liberais brasileiros são aquele tipo de mercadoria que se você comprar pelo que efetivamente vale e vender pelo que ele pensa que vale, o lucro deve dar uns 1.000%. Quando você tem paciência para acompanhá-los por um tempo, vai descobrir que se alimentam de uma papa de autocomplacência intelectual embaraçosa. Na verdade, consideram-se intelectualmente superiores à paçoca política brasileira, o que é um jogo facílimo se você selecionar para se contrapor apenas discursos e posições da esquerdinha tradicional, remotamente marxista e cheia de dogmas, e da direita brucutu no padrão Bolsonaro e Malafaia. Quem se confronta com caricaturas, só pode parecer brilhante. Retirado o que há de "blasé" em enfrentar lagartixas se achando São Jorge diante do dragão, não vai encontrar mais que meia dúzia de lugares-comuns e dogmas. E preconceito.
De forma muito semelhante aos "pensadores críticos" da esquerdinha tradicional, que estes odeiam, vivem de citações e autores. Você tropeça neles. No Brasil, a Santíssima Trindade são Ludwig von Mises (1881–1973), Friedrich Hayek (1899–1992) e Milton Friedman (1912–2006). Servem para endossar frases de efeitos e para exalar um ar de grandes filósofos. No verdadeiro pantheon da Filosofia, contudo, são nanicos, acreditem. Podiam citar Zé das Couves e Chiquinho das Batatas, em austríaco claro (Joseph Kohl & Franz von Kartoffeln), que a função de espanta-ignorante seria cumprida do mesmo jeito. Do alto da sua imensa autoridade autoconcedida, grande parte da diversão dos novos liberais é declarar a imbecilidade de um (nunca leu Mises nem Olavão) e a esquerdopatia de outro, e fazer bravatas como desafiar para um debate sobre economia e os arcanos do universo. Retirados os poleiros (aliás, bem baixinhos) em que se assentam, não lhes sobra mais que dogmas, frases de efeitos. E preconceito.
Curiosamente, quando você espreme os novos liberais não encontra muito liberalismo político. Só uma lenga-lenga velhíssima contra o Estado e pelas liberdades. Retire-lhe as citações e as caricaturas que tentarão fazer de você ("esquerdista" é o "feio, chato e bobo" da sua maturidade pre-escolar) e o que vai sobrar será simplesmente um conservador antiestatista. O novo liberal brasileiro é basicamente isso: 1) um portador de um conservadorismo seboso, adversário iliberal de direitos sociais e garantias. Alguns, mais que conservadores são reacionários; 2) um antiestatista em seu mais extremo radicalismo (e, portanto, contraditório); 3) um sujeito consumido pelo ódio pela esquerda. Segundo eles, desde que você seja antiestatista, você pode até ser progressista, mas, nos três anos que os observo nunca vi um "novo liberal progressista" nestas plagas. Estou pensando em dar um rolé em Viena para ver se acho um. Aqui, só conservadores babosos repaginados num discurso antiestatista descolado tirando onda sobre a parte mais caricatural da esquerda. Ponto.
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