PRECISAMOS FALAR SOBRE LULA
Prof. Wilson Gomes
Entendo quem oferece e demanda de mim um endosso incondicional a Lula e uma espécie de fé pública de que ele não ocultou bens, nem recebeu (ou distribuiu entre familiares) benefícios indevidos. Entendo a requisição, mas como poderia eu, com a inexistente intimidade com Lula e sua cercania ou com o desconhecimento total de autos e registros de quem o investiga, afiançar tal coisa? Fico encantado com os que o fazem e imagino que assentem sua convicção em fundadas razões, mas estas pessoas certamente dispõem de recursos cognitivos a que não tenho acesso.
De maneira semelhante, me impressiona os que do alto da sua certeza, sentenciaram Lula como corrupto, prevaricador e autor de outras tantas vilanias que o reduziriam a um lixo moral. Ignoro de onde lhes advém o saber seguro que exibem com soberba, ou que acesso privilegiado tiveram aos fatos e à sua documentação. Desculpem amigos antipetistas, mas antes que surja e se reafirme uma condenação, como resultado de um devido e impecável processo legal, continuarei tratando Lula como íntegro e digno. Lamento se isso não for o bastante.
Em política, são tanto os que tomam decisões sobre caráter e fazem juízos sobre feitos e ditos baseados nas próprias inclinações, nos seus desejos e temores, nas suas fantasias sobre aliados e adversários. Quem, de fato, ama Lula, pelo que fez ou representa, busca de coração razões para continuar crendo, lê presságios, infere do que sabe sobre o caráter do ex-presidente o que não poderia diretamente saber sobre o que ele efetivamente fez, é cético contra os argumentos contrários, desconfia das fontes adversários e escolhe os pontos de vista que sustentam suas esperanças.
Quem, pelo contrário, o odeia com intensidade, coleciona os fatos e os testemunhos que acredita poder encaixar no mosaico da sua teoria de que Lula não presta nem nunca prestou, faz vista grossa à suspeita qualidade de fontes e testemunhas e aos projetos e intenções que sustentam a umas e outras, e mesmo se Moro, depois de todo esse espetáculo, não processar o ex-presidente, ou se, uma vez processado, uma corte não o condenar, ainda assim estará convencido de que Lula é um canalha e uma enganação e de que só ele, e os como ele, foi capaz de ver a verdade.
No que se refere a esses dois grupos, a realidade pode ricochetear nas suas teorias e nas suas convicções. Modificá-las, não pode. Ainda bem que mais nuances neste continuum do que pode mapear a minha vã filosofia. No que se refere a mim, sou daqueles que acompanham os fatos e retardam o julgamento, sobretudo quando se trata do tão esporte leviano de julgar o caráter de pessoas públicas. Gosto de Lula. Gosto muito de Lula (do que fez e representa). E embora continue firme na minha convicção de que pessoas boas podem fazer coisas ruins, não participarei do linchamento de Lula apenas para acompanhar redações de jornais, comentaristas políticos de mídia e torcedores políticos de sites de redes sociais, geralmente camuflados em sumidades morais indignadas em virtude do enorme amor ao Brasil e à democracia: em geral, duvido de que é pior estar sozinho do que estar errado.
O fato de eu gostar de Lula, se ainda não tivesse ficado claro, não é incompatível com qualquer resultado que for derivado dos inquéritos, investigações e fuçamentos sobre a sua vida. Nada me surpreende muito mais, no que tange às pessoas e ao modo como cada um lida com as suas tentações, de forma que deixo prudentemente a porta aberta e um lugar à mesa para o que a realidade me trouxer. Mas não atacarei nem defenderei Lula com base em meus gostos, preferência ou minhas crenças em seu caráter.
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