'O samba é mais de esquerda', diz Beth Carvalho, que faz 50 anos de carreira
Quadros com Che Guevara e Hugo Chávez adornam o hall do apartamento de Beth Carvalho, 69, que fica num condomínio de frente para a praia de São Conrado, no Rio, onde hoje se compra uma unidade a partir de R$ 3,7 milhões.
"O samba é mais de esquerda, é o povo. Nelson Sargento é de esquerda, Cartola [1908-1980] também era", ela diz, e esclarece que a pintura do ex-presidente venezuelano morto em 2013 foi um presente do sucessor, Nicolás Maduro.
Beth comemora nesta sexta (23), com show em São Paulo, meio século de uma carreira que bambeia entre a elite (de onde veio) e as massas (por onde sempre perambulou).
"Muita gente pensa que eu sou mulata. Eu é que sou exceção [no meio]", afirma a compositora do hino sambista "Vou Festejar", que cresceu na zona sul carioca (Leblon, Ipanema, Urca) ouvindo galanteios de meia MPB.
"Geral me cantava. Menina de 19 anos, perninha grossa, vestido curto? Tocando violão?", ela diz e dá uma piscadela.
Beth já era queridinha em rodas frequentadas por Tom Jobim quando estourou na TV aberta ao cantar "Andança". A música famosa pelo refrão "por onde for quero ser seu par" ficou em terceiro lugar no Festival Internacional da Canção de 1968, atrás de "Sabiá" (Tom/Chico Buarque) e "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores" (Geraldo Vandré).
Mas, como faz questão de apontar, virou "madrinha do samba". Resgatou músicos das antigas, como Cartola (1908-1980). Sambas dele se popularizaram nos anos 1930, na voz de músicos como Carmen Miranda e Silvio Caldas.
Em 1956, Cartola foi encontrado lavando carros em Ipanema pelo jornalista Sérgio Porto (1923-1968).
Beth foi ao sambista atrás de suas pérolas. Saiu de lá com canções como "O Mundo É o Moinho" e "As Rosas Não Falam".
Ela também ajudou artistas iniciantes como Zeca Pagodinho. "Me chega esse menino com sacola de supermercado e um cavaquinho dentro. Magro esquelético. Já gostei do título da música que ele veio mostrar: 'Camarão que Dorme a Onda Leva", lembra Beth.
O mesmo Zeca, já sambista consagrado, visitou Beth no hospital com cerveja escondida dentro do paletó. Ela ficou um ano internada, entre 2012 e 2013, após operar a coluna.
Desde então, está na cadeira de rodas. "Eu ando, viu? Com andador. Mas tenho um pouco de preguiça, a cadeira acomoda muito a gente."
O episódio é retratado no musical (autorizado) "Andança", que fica em cartaz até 31 de janeiro no Maison de France, no Rio.
A história de Elizabeth Santos Leal de Carvalho também será contada num livro escrito pelo amigo Beto Almeida, um dos fundadores do PT. "Prefiro biografia autorizada. Fica mais verdadeira, né?"
DO BALÉ AO SAMBA NO PÉ
Bailarina clássica até a adolescência, Beth diz que herdou o "lado povão" da mãe, que sempre a levava para passear no subúrbio carioca. "Pegava o trem. Ninguém da minha roda fazia isso."
O pai era funcionário de alfândega e entusiasta de Fidel Castro, então jovem líder socialista. No golpe militar de 1964, fugiu após receber ameaça de prisão, segundo a filha. "Acabou a vida sendo massagista."
A veia esquerdista ainda pulsa forte em Beth Carvalho.
Em agosto, ficou tiririca com o uso de sua canção maior, "Vou Festejar", numa passeata contra a presidente Dilma Rousseff (de quem se diz fã) organizada pelo movimento de direita #VemPraRua.
Por ironia do destino, Beth já uniu forças com Lobão, hoje um dos artistas mais associados à direita, com discursos simpáticos à ditadura militar e críticos à "atmosfera stalinista" que, acredita, espreita o país.
No começo dos anos 2000, os dois artistas fizeram lobby pela numeração de discos –o que era rejeitado por grandes gravadoras e fabricantes de CDs.
Os músicos suspeitavam que eles fraudassem a quantidade de produtos vendidos para repassar menos direitos autorais.
"Que que eu vou fazer [se ele é de direita]? Fico triste. Não vou ficar de mal com ele", diz Beth.
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