Almanaqueiras: ou não queiras.

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quarta-feira, 24 de julho de 2013

“Tenho vergonha mesmo”, diz deputado sobre ser político.

O deputado Ricardo Izar Jr. é o presidente do Conselho de Ética da Câmara – um cargo que ninguém quer. E não gosta de dizer que é político

Flávia Tavares - Época

Ricardo Izar Jr. (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA)

Numa tarde recente, a sala 49 do Anexo II da Câmara dos Deputados era uma festa. Oito servidores cantavam “Parabéns” para um colega. O bolo era coberto por glacê branco e recheado com o que parecia um creme de ameixa. Enquanto lambiam as pontas dos dedos, eles discutiam como chegar e, principalmente, como sair da Câmara no dia seguinte, a quarta-feira em que era esperado mais um grande protesto nas ruas – e em que o Brasil enfrentaria o Uruguai na Copa das Confederações. “Vou bater hoje meu ponto de amanhã, não quero nem saber. Vão fechar a Esplanada, sabia?”, dizia um deles. Os comensais do bolo – e fraudadores do relógio de ponto – eram os assessores que atendem o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara. Na sala ao lado, o deputado Ricardo Izar Jr., chefe da turma e presidente do Conselho há três meses, procurava o que fazer. Em vão.

“A gente chega aqui cheio de sonho, mas logo bate a realidade”, diz Izar Jr., suspirando como quem constata a própria irrelevância. É o que costuma acontecer com deputados no primeiro mandato, como é o caso dele. Izar Jr. afirma que nem queria ser político. É economista e, até 2010, era dono de uma grande corretora de seguros, a Brasil Insurance. Ele carrega na carteira de identidade o nome do pai, Ricardo Izar, titular de nada menos que 11 mandatos na Câmara dos Deputados. Morto em 2008, Ricardo, o pai, apadrinhava as Apaes de São Paulo. Numa homenagem que a unidade de Jaú fazia ao velho Izar, um aluno perguntou ao Izar Jr. quem cuidaria deles a partir dali. Ele se apiedou. Depois de consultar a mãe, Marisa, decidiu se candidatar. Eleito com 88 mil votos pelo PV (ele já se mudou para o PSD de Gilberto Kassab), Izar Jr. se empolgou e quis seguir o exato caminho do pai: ser presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Conseguiu o que queria. Na Câmara, ninguém mais liga para o Conselho de Ética.


Aos 44 anos, Izar Jr. gastou R$ 1 milhão do próprio bolso na campanha para conquistar o cargo. Claramente, percebe agora, foi mau negócio. “A maioria absoluta de quem domina a Câmara está viciada em coisas que acham normais. A forma como se segura um projeto, senta-se em cima de uma relatoria, a pressão dos lobbies…”, diz Izar Jr. Ele diz que gostaria de ter sido o paladino da primavera brasileira. Achou que teria processos e processos empilhando em sua mesa. Não tem. Nas raras vezes em que um deputado comete o disparate de acusar outro, a representação para na Mesa da Câmara ou na Corregedoria. Apenas quando a acusação vem de um partido, o processo vai direto para o Conselho. Das três representações que caíram lá neste ano, uma já foi arquivada. A maioria das sessões do Conselho nem sequer tem quórum. Sempre estão vazias. Na semana passada, não houve sessão. Mesmo com as denúncias de que o presidente da Câmara, Henrique Alves, usara um jatinho da FAB para ir à final da Copa das Confederações.

O Conselho de Ética foi criado em 2001. Até 2006, quando casos como o mensalão exigiam trabalho dobrado, o Conselho julgou apenas 25 processos – sem contar o escândalo dos sanguessugas, quando o colegiado não conseguiu cassar nenhum dos 69 deputados envolvidos. No caso do mensalão, o Conselho aprovou 12 pedidos de cassação. O plenário cassou três deputados. A sucessão de absolvições desmoralizou o Conselho, e o número de processos diminui a cada ano. De 2007 para cá, 19 provocações, ou pedidos de abertura de processo, estão paradas na Mesa da Câmara, incluindo os casos notórios contra o deputado Marco Feliciano. “Não poderia, mas, às vezes, peço para alguém nos provocar. Infelizmente, diversos casos deram entrada na Mesa e ainda não chegaram aqui. Tenho pedido casos que estão na Corregedoria, mas eles não mandam”, diz Izar Jr. E por que demora tanto, deputado? “Demora porque... demora porque... eu não sei por que demora.” Izar Jr. também se queixa das panelinhas que emperram a atividade da Câmara – e, por extensão, da Comissão de Ética. “É falta de vontade política, mas não da Casa, e sim daqueles que mandam na Casa. Da pequena panelinha que está aí há muito tempo e nunca vai sair”, afirma.

Num ímpeto de novato, Izar Jr. tentou trabalhar num dia em que os colegas não estavam muito no clima. Na quarta-feira, dia 19, dia de jogo entre Brasil e México, ele conseguiu reunir 11 deputados às 15h30, meia hora antes do pontapé inicial. Dez minutos depois, todos foram embora. Não votaram nada. Frustrado, Izar Jr. levou sua pauta ao plenário da Câmara: um requerimento para a criação de uma comissão de deputados que fosse a Santa Cruz do Arari, no Pará, investigar a denúncia de que havia uma matança de cachorros promovida pelo prefeito da cidade. Izar Jr. foi alvo de chacota. “Independentemente da gravidade do assunto, creio que nos expomos ao ridículo (se aprovarmos o requerimento)”, afirmou Ricardo Berzoini (PT-SP). “Era um dia perdido, em que não votaríamos nada. Por que não votar isso? Era o que a rua pedia, que a gente mostrasse serviço”, diz Izar Jr.

A bandeira da defesa de animais foi empunhada por Izar Jr. graças à filha Isabela, de 9 anos. Ela perguntou ao pai o que um deputado fazia. Ele disse que fazia leis para melhorar a vida das pessoas. “E quem faz leis para cuidar dos animais?”, perguntou a menina. Izar Jr. derreteu. Embora ele tenha atendido ao pedido da filha, a garota não se orgulha de seu trabalho. Da mesma forma que Izar Jr. só foi admirar o trabalho de seu pai depois de mais velho. Ele se lembra bem de quando Ricardo Izar presidiu o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, entre 2005 e 2008, período em que o conselho, criado em 2001, foi mais crítico e ativo. “Ele sofreu muita pressão, chantagens, ameaças. A gente andava com segurança na época do mensalão. Foi difícil, foi isso que o matou”, diz Izar Jr. Por toda a sua infância, ele evitou contar aos amiguinhos que seu pai era político. Ainda hoje, esconde sua carreira de homem público. “Virou uma generalização falar que aqui só tem gente ruim. Tem gente boa também. Se ficar falando isso, só sobram os ruins, porque eles não têm vergonha. O bom tem. Não falo que sou deputado por aí. Quando vou ao dentista, falo que sou economista. Tenho vergonha mesmo. Vou falar que sou político e ficar ouvindo?” Em tempos de manifestações, imagine o que ele ouviria se saísse dizendo por aí que, na Câmara dos Deputados, é o responsável pela área de... ética. 

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