Morre João de Manezim, figura popular em Cajazeiras
Por Nonato Guedes
Figura popular na cidade de
Cajazeiras, o funcionário público João Rodrigues, conhecido como “João
de Manezim”, morreu na noite de ontem aos 72 anos de idade, depois de
lutar durante meses contra um câncer no fígado. O portal “Diário do
Sertão” revela que João ainda foi levado para o Hospital Regional da
cidade mas não resistiu e veio a óbito, tendo passado, também, por
vários exames em João Pessoa, com a ajuda de amigos. Folclórico, ex-dono
de circo, de um clube popular, de um time de futebol e de uma escola de
samba num bairro pobre de Cajazeiras, “João de Manezim” foi vereador na
década de 80 e apelou para um recurso criativo para se tornar elegível:
condenado a oito meses de prisão por ter agredido o ex-coletor estadual
Inácio Brito dentro da repartição, foi beneficiado com “sursis” por
dois anos mas resolveu cumprir a pena. Disputou o mandato pelo PDS e
ficou recolhido em sala livre na cadeia pública, onde fez campanha,
recebendo visitas e encaminhando pedidos de favores a líderes políticos.
Animador de campanhas, de candidatos
do governo ou da oposição, ele criou um slogan original para sua
candidatura: “Ruim por ruim, vote em João de Manezim”. O incidente com o
ex-coletor ocorreu quando João, que era auxiliar de serviço do Colégio
Estadual, foi à repartição receber seu salário e “furou” a fila. Os dois
se desentenderam e brigaram. Antes, ele havia sido detido outras vezes
por se envolver em incidentes, geralmente sendo solto graças à
interferência de políticos e amigos. Filho de pais pobres, ele conseguiu
ter livre trãnsito na sociedade local, à qual recorria para suas
variadas promoções. Não tinha sequer o curso primário mas se achava em
condições de ser vereador por ter observado “o baixo nível” de alguns
oradores com assento na Câmara Municipal. O então governador Tarcísio
Burity ajudou-o a renovar o instrumental da escola de samba de sua
propriedade, que desfilava anualmente no carnaval. Imprevisível e
irreverente, João inaugurou o equipamento numa passeata de protesto
contra o governador, liderada pelo então suplente de senador João Bosco
Braga Barreto, do PP.
A ideia de ser candidato surgiu
quando, a pretexto de comemorar a saúde de um integrante da sua escola,
que escapou de um tiro no olho, João fez uma passeata com quase três mil
pessoas, em que distribuiu duas mil velas e mil estátuas pequenas de
Padre Cícero, doadas por políticos e pessoas ilustres da cidade. Na
disputa de 82, “João de Manezim” tentou repetir uma tática usada pelo
deputado Genival Tourinh, do PP de Minas Gerais, para continuar
elegível. Tourinho fora processado com base na Lei de Segurança Nacional
e condenado com direito a “sursis”, mas se fosse beneficiado pelo
“sursis” ficaria inelegível em 82, o que não aconteceria se cumprisse a
pena de seis meses a que fora condenado. Genival Tourinho reafirmou, na
época, a disposição de se apresentar para cumprir a pena, desprezando o
“sursis”.
No livro “Cajazeiras e minhas
lembranças”, Irismar Gomes da Silva traçou um perfil de João, afirmando:
“Quem não conhece João? De quem é filho? Como foi criado? Onde nasceu?
João é uma pessoa que pelo seu poderoso senso de humor e pelo
extraordinário espírito de criação e decisão, tornou-se uma figura
folclórica, importante e conhecida não só em Cajazeiras mas em toda a
região e, por que não dizer, nacionalmente, quando foi manchete num
conhecido canal de televisão. João Rodrigues, nome de batismo dado pelos
seus pais Manoel Rodrigues e Sebastiana Maria da Conceição, é natural
de Cajazeiras, precisamente da zona sul da cidade. Muito cedo, ficou
órfão de mãe, foi um menino sofrido, carente, sem amor e com muitas
dificuldades, como qualquer criança pobre. Teve seus sonhos, seus
desejos e esperanças, como qualquer pessoa, e provavelmente dentro do
seu jeito de viver e encarar a vida, talvez tenha realizado muitos
deles. Foi, também, uma criança e um jovem travesso, mas, pelo jeitão
engraçado de ser, conquistava a confiança e a atenção das pessoas,
característica essa que também facilitou seu ingresso na vida artística.
Começou a fazer teatro a seu modo, nas feiras livres de nossa cidade e
na região. Mesmo sem freqüentar nenhuma escola, descobriu tendências
para a música, com destaque para o instrumento de percussão. Daí ele
teve a ideia de formar uma escola de samba carnavalesca, ainda
existente, que está presente em todos os eventos festivos da nossa
sociedade, principalmente carnaval e acontecimentos políticos.
Antes de ter uma vida definida,
passou grandes dificuldades e humilhações. Teve várias ocupações, entre
as quais foi balaeiro, menino de recado, jogador de futebol, dono de
circo, palhaço, proprietário de clube e também empresário. É do tipo
cigano: sabe muito bem cativar as pessoas para adquirir o que deseja.
Com esse jeito, conseguiu construir um clube na zona sul da cidade para a
classe menos favorecida, do qual tive a honra de ser madrinha. No circo
de sua propriedade, desempenhava quase todas as funções, tais como
porteiro, apresentador, palhaço, malabarista. É também compositor e
cantor, com algumas músicas gravadas e todas alusivas a pessoas de nossa
comunidade. Foi através dos políticos que conseguiu mudar sua vida. Com
o então deputado Edme Tavares, conseguiu um contrato para exercer a
função de auxiliar de serviço do Colégio Estadual de Cajazeiras, em
1971. Incentivamos para que o mesmo estudasse. Resolveu, então, se
matricular numa escola para se alfabetizar. Tendo em vista sua idade e
outras dificuldades, só foi aceito na escola do Mobral, porém, não teve
perseverança nos estudos, conseguindo apenas assinar seu nome. Sua
maneira espontânea de apelidar as pessoas, de fazer comparações, contar
histórias e estórias, todas são dosadas de malícias, enfeites e cheias
de mímica. Numa festa junina, foi convidado a representar o noivo em
parceria com a jovem Leda. Aproveitando a deixa, quando a festa
terminou, convidou-a para dormirem juntos, já que haviam casado, mesmo
sendo de brincadeira. Ela topou. Mais tarde vieram a se casar de
verdade. O casamento durou alguns anos e tiveram vários filhos. Outros
casamentos se sucederam, chegando a um total de cinco e uma prole de
vinte e dois filhos. Tornou-se avô e continuava o mesmo João cheio de
brincadeiras. Sua última esposa foi Maria de Fátima Penas e Silva, vulgo
“a mulher que vira peixe”, título dado a um dos seus shows em suas
aventuras no passado. João é uma pessoa inteligente, ousada e corajosa”.
O teatrólogo Ubiratan di Assis diz que sempre considerou “João de
Manezim” personagem cinematográfico. “E, além do mais, é um patrimônio
cultural de Cajazeiras”, completou.
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