Almanaqueiras: ou não queiras.

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quarta-feira, 5 de junho de 2013

"Foi, também, uma criança e um jovem travesso, mas, pelo jeitão engraçado de ser, conquistava a confiança e a atenção das pessoas..."

Morre João de Manezim, figura popular em Cajazeiras

Por Nonato Guedes

João e Jeanne Pires - Brasilia 2010
Figura popular na cidade de Cajazeiras, o funcionário público João Rodrigues, conhecido como “João de Manezim”, morreu na noite de ontem aos 72 anos de idade, depois de lutar durante meses contra um câncer no fígado. O portal “Diário do Sertão” revela que João ainda foi levado para o Hospital Regional da cidade mas não resistiu e veio a óbito, tendo passado, também, por vários exames em João Pessoa, com a ajuda de amigos. Folclórico, ex-dono de circo, de um clube popular, de um time de futebol e de uma escola de samba num bairro pobre de Cajazeiras, “João de Manezim” foi vereador na década de 80 e apelou para um recurso criativo para se tornar elegível: condenado a oito meses de prisão por ter agredido o ex-coletor estadual Inácio Brito dentro da repartição, foi beneficiado com “sursis” por dois anos mas resolveu cumprir a pena. Disputou o mandato pelo PDS e ficou recolhido em sala livre na cadeia pública, onde fez campanha, recebendo visitas e encaminhando pedidos de favores a líderes políticos.


                                         João - o goleiro
Animador de campanhas, de candidatos do governo ou da oposição, ele criou um slogan original para sua candidatura: “Ruim por ruim, vote em João de Manezim”. O incidente com o ex-coletor ocorreu quando João, que era auxiliar de serviço do Colégio Estadual, foi à repartição receber seu salário e “furou” a fila. Os dois se desentenderam e brigaram. Antes, ele havia sido detido outras vezes por se envolver em incidentes, geralmente sendo solto graças à interferência de políticos e amigos. Filho de pais pobres, ele conseguiu ter livre trãnsito na sociedade local, à qual recorria para suas variadas promoções. Não tinha sequer o curso primário mas se achava em condições de ser vereador por ter observado “o baixo nível” de alguns oradores com assento na Câmara Municipal. O então governador Tarcísio Burity ajudou-o a renovar o instrumental da escola de samba de sua propriedade, que desfilava anualmente no carnaval. Imprevisível e irreverente, João inaugurou o equipamento numa passeata de protesto contra o governador, liderada pelo então suplente de senador João Bosco Braga Barreto, do PP. 
A ideia de ser candidato surgiu quando, a pretexto de comemorar a saúde de um integrante da sua escola, que escapou de um tiro no olho, João fez uma passeata com quase três mil pessoas, em que distribuiu duas mil velas e mil estátuas pequenas de Padre Cícero, doadas por políticos e pessoas ilustres da cidade. Na disputa de 82, “João de Manezim” tentou repetir uma tática usada pelo deputado Genival Tourinh, do PP de Minas Gerais, para continuar elegível. Tourinho fora processado com base na Lei de Segurança Nacional e condenado com direito a “sursis”, mas se fosse beneficiado pelo “sursis” ficaria inelegível em 82, o que não aconteceria se cumprisse a pena de seis meses a que fora condenado. Genival Tourinho reafirmou, na época, a disposição de se apresentar para cumprir a pena, desprezando o “sursis”.
No livro “Cajazeiras e minhas lembranças”, Irismar Gomes da Silva traçou um perfil de João, afirmando: “Quem não conhece João? De quem é filho? Como foi criado? Onde nasceu? João é uma pessoa que pelo seu poderoso senso de humor e pelo extraordinário espírito de criação e decisão, tornou-se uma figura folclórica, importante e conhecida não só em Cajazeiras mas em toda a região e, por que não dizer, nacionalmente, quando foi manchete num conhecido canal de televisão. João Rodrigues, nome de batismo dado pelos seus pais Manoel Rodrigues e Sebastiana Maria da Conceição, é natural de Cajazeiras, precisamente da zona sul da cidade. Muito cedo, ficou órfão de mãe, foi um menino sofrido, carente, sem amor e com muitas dificuldades, como qualquer criança pobre. Teve seus sonhos, seus desejos e esperanças, como qualquer pessoa, e provavelmente dentro do seu jeito de viver e encarar a vida, talvez tenha realizado muitos deles. Foi, também, uma criança e um jovem travesso, mas, pelo jeitão engraçado de ser, conquistava a confiança e a atenção das pessoas, característica essa que também facilitou seu ingresso na vida artística. Começou a fazer teatro a seu modo, nas feiras livres de nossa cidade e na região. Mesmo sem freqüentar nenhuma escola, descobriu tendências para a música, com destaque para o instrumento de percussão. Daí ele teve a ideia de formar uma escola de samba carnavalesca, ainda existente, que está presente em todos os eventos festivos da nossa sociedade, principalmente carnaval e acontecimentos políticos.

Sales, João e Bira
Antes de ter uma vida definida, passou grandes dificuldades e humilhações. Teve várias ocupações, entre as quais foi balaeiro, menino de recado, jogador de futebol, dono de circo, palhaço, proprietário de clube e também empresário. É do tipo cigano: sabe muito bem cativar as pessoas para adquirir o que deseja. Com esse jeito, conseguiu construir um clube na zona sul da cidade para a classe menos favorecida, do qual tive a honra de ser madrinha. No circo de sua propriedade, desempenhava quase todas as funções, tais como porteiro, apresentador, palhaço, malabarista. É também compositor e cantor, com algumas músicas gravadas e todas alusivas a pessoas de nossa comunidade. Foi através dos políticos que conseguiu mudar sua vida. Com o então deputado Edme Tavares, conseguiu um contrato para exercer a função de auxiliar de serviço do Colégio Estadual de Cajazeiras, em 1971. Incentivamos para que o mesmo estudasse. Resolveu, então, se matricular numa escola para se alfabetizar. Tendo em vista sua idade e outras dificuldades, só foi aceito na escola do Mobral, porém, não teve perseverança nos estudos, conseguindo apenas assinar seu nome. Sua maneira espontânea de apelidar as pessoas, de fazer comparações, contar histórias e estórias, todas são dosadas de malícias, enfeites e cheias de mímica. Numa festa junina, foi convidado a representar o noivo em parceria com a jovem Leda. Aproveitando a deixa, quando a festa terminou, convidou-a para dormirem juntos, já que haviam casado, mesmo sendo de brincadeira. Ela topou. Mais tarde vieram a se casar de verdade. O casamento durou alguns anos e tiveram vários filhos. Outros casamentos se sucederam, chegando a um total de cinco e uma prole de vinte e dois filhos. Tornou-se avô e continuava o mesmo João cheio de brincadeiras. Sua última esposa foi Maria de Fátima Penas e Silva, vulgo “a mulher que vira peixe”, título dado a um dos seus shows em suas aventuras no passado. João é uma pessoa inteligente, ousada e corajosa”. O teatrólogo Ubiratan di Assis diz que sempre considerou “João de Manezim” personagem cinematográfico. “E, além do mais, é um patrimônio cultural de Cajazeiras”, completou.


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