A indignação da juíza
Por Frassales Cartaxo
A juíza Adriana Lins causou enorme celeuma ao falar na câmara
municipal de Cajazeiras contra o Bolsa Família. A reação a seu ponto de
vista trouxe à baila a indignação da juíza, divulgada em longo texto
explicativo. Em meio à profusão de conceitos emitidos de mistura com
desabafo pessoal, a juíza de direito, autoidentificada também como
“eleitora e cidadã”, revelou uma faceta que, de outra maneira jamais se
conheceria. Bendita indignação! Prenúncio de outras manifestações, quem
sabe, sintonizadas com o sentimento popular e com sua condição de
mulher, juíza, eleitora e cidadã.
(foto ilustrativa)
A aversão de Adriana Lins ao Bolsa Família identifica-se com os
argumentos de muita gente, incluindo aí, camadas da classe dominante
beneficiária de favores concedidos pelo poder, desde sempre, ao longo da
história do Brasil, da colonização até hoje. Com ou sem escravidão
explícita. Ela trata o Programa como emergencial. Engano. Também não é
eterno. E só tem 10 anos de existência, uma insignificância em face da
centenária fome dos brasileiros mais pobres. Falo assim porque a
meritíssima enxerga no Programa Bolsa Família um instrumento de
escravização política, indutor da preguiça às pessoas que passam fome e
vivem de esmola. Engraçado, ela defende a mesma linha superficial de
raciocínio de uma porção de gente bem, fria, calculista. Gente incapaz
de indignar-se...
Talvez a indignação da doutora vislumbre no programa de
redistribuição social de renda um privilégio, embora a ajuda mensal seja
uma merreca suficiente apenas para permitir aos mais pobres comer três
vezes ao dia. Um privilégio concedido às famílias situadas abaixo da
linha de pobreza delimitada por definições e critérios utilizados pela
ONU. De fome, a juíza não entende, graças a Deus e a seu esforço
pessoal, conforme sua confissão pública. De privilégios, porém, a juíza
sabe. E conhece não por ouvir dizer, mas de ciência própria, como
integrante do Poder Judiciário, responsável, entre outras nobres
missões, pelo combate à impunidade. Neste campo, este velho cronista
cajazeirense, anseia muito ver explodir a indignação da “juíza de
direito, eleitora e cidadã” Adriana Lins de Oliveira Bezerra.
Explico. A Lei Orgânica da Magistratura assegura a seus membros
férias de 60 dias e “aposentadoria compulsória, com vencimentos
proporcionais ao tempo de serviço”, ao magistrado que, por desventura,
pratica delito no exercício da função, apurado em segredo de Justiça.
Isso quando o espírito de corpo não se rende ao “faz de conta” que
pune... Aliás, a aposentadoria com vencimentos proporcionais é a punição
disciplinar mais rigorosa aplicada ao juiz malfeitor. Está na Lei
Complementar nº 35, de 13 de março de 1979. Lei herdada do regime de
exceção, embora em 1979 a ditadura já exibisse sinais de fraqueza. Sem
dúvida, dois detestáveis privilégios! Que o digam policiais, educadores,
profissionais da saúde, enfim, servidores públicos e, claro, o cidadão
comum.
Já houve tentativas de abolir tais privilégios. Todas frustradas. A
última está em curso no Supremo Tribunal Federal, por meio da Comissão
de alto nível, composta dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski
e Luiz Fux, com a finalidade de formular novo projeto de Lei Orgânica
da Magistratura. A Comissão está aberta a sugestões. Bem que a juíza,
eleitora e cidadã Adriana Lins poderia canalizar sua indignação,
oferecendo contribuição para elidir aqueles privilégios. Privilégios
nocivos à democracia, geradores de mal estar e desconfiança na
população.
Francisco (Frassales) Cartaxo - cartaxorolim@gmail.com
Escritor, filiado União Brasileira de
Escritores/PE, ex-secretário de Planejamento da Paraíba,
ex-secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco, ex-secretário-adjunto de
Planejamento do Recife, Articulista semanal do jornal Gazeta do Alto
Piranhas, de Cajazeiras, Consultor associado à CEPLAN, Consultoria
Econômica e Planejamento.
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