Almanaqueiras: ou não queiras.

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domingo, 2 de dezembro de 2012

Fernanda Montenegro toma um porre de felicidade


Dirigida por Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo, atração fala sobre os dramas da velhice
O Globo


Fernanda Montenegro na pele de dona Picucha: “Velhice é inevitável”
Foto: Divulgação TV Globo/Fábio Rebelo

PORTO ALEGRE - Zeca Pagodinho está tocando nas alturas. Ao som do refrão “Eu vou sujar seu nome no SPC”, Fernanda Montenegro samba desengonçada. Ginga de um lado para o outro e mexe o pescoço. Arranca risos de toda a equipe da Casa de Cinema de Porto Alegre, comandada pelos diretores Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo. Depois de repetir algumas vezes a cena, a música é interrompida.— Corta! Sensacional, muito bom — grita Furtado, que acompanhou a gravação sem conseguir se conter: mexia os braços e as pernas, mesmo sentado numa cadeira.
Quem dança ali diante da câmera é Dona Picucha, nova personagem da veterana atriz. Trata-se da protagonista do especial de fim de ano “Doce de mãe”, previsto para ir ao ar no dia 27, depois de “Salve Jorge”, na Globo.

Ao concluir a sequência, em que sua personagem aprende a sambar com uma nova empregada, Lenir (Barbara Borgga), Fernanda é abraçada por Ana Luiza. Depois, sorri ao conferir sua própria performance num monitor junto com a diretora.
— Meu Deus, a velha enlouqueceu! — observa Fernanda, ofegante, antes de sair em direção ao camarim ainda cantarolando: — Ou a gente se diverte, ou morre.
Nas gravações acompanhadas pela Revista da TV numa casa que faz as vezes do apartamento de Picucha, em Porto Alegre, a diversão era evidente. Rodado em três semanas, entre o fim de setembro e o começo de outubro, “Doce de mãe” teve seu papel principal escrito por Jorge, Ana Luiza e Miguel da Costa Branco especialmente para Fernanda. O enredo aborda uma questão comum a muitas famílias: quem deve cuidar dos parentes idosos?

Aos 85 anos, Dona Picucha anuncia que sua empregada doméstica, Zaida (Mirna Spritzer), que a acompanha há quase 30 anos, está de casamento marcado e vai embora. Ela convoca os filhos Sílvio (Marco Ricca), Susana (Mariana Lima), Fernando (Matheus Nachtergaele) e Elaine (Louise Cardoso) e dá a notícia durante um jantar em que serve suas famosas panquecas flambadas. Os quatro se veem numa sinuca de bico. Ninguém quer alterar seu cotidiano para se ocupar da mãe.

— Picucha sabe que não pode pesar para os filhos enquanto puder se defender. Ela não usa sua velhice como uma arma de barganha — conta a atriz, paramentada com a peruca grisalha que usa para compor a personagem.
A protagonista do especial, que pode voltar ao ar no formato de série no ano que vem, julga não precisar da companhia de ninguém. Num primeiro momento, resolve morar sozinha. Depois de deixar a porta de casa aberta, de esquecer a chama do fogão acesa e de se envolver em outros pequenos acidentes domésticos, a situação complica.
Dois anos mais nova que a personagem, Fernanda, mãe da atriz Fernanda Torres e do cineasta Cláudio Torres, ficou viúva em 2008. Mas não experimenta a mesma realidade de Picucha.
— A velhice é inevitável, e não me faço mais forte do que sou. Tenho filhos que também se preocupam comigo. Claro que temos uma defasagem de anos vividos, mas isso também é um ganho — acredita.

A atriz afirma levar uma vida completamente independente. Neste ano, ela já havia passado uma outra temporada no Rio Grande do Sul para rodar o longa “O tempo e o vento”, capitaneado por Jayme Monjardim. Antes, ficou cinco meses em São Paulo por conta das apresentações da peça “Viver sem tempos mortos”, dirigida por Felipe Hirsch.
— Eu viajo muito e tenho que agradecer a Deus por receber convites para trabalhos muitos bons, que tocam a minha vida — acredita.
Assim como Picucha, uma mulher com muita vitalidade, que adora cozinhar e dançar, Fernanda afirma “não cultuar o lado negativo da vida”.
— Nós duas não damos muita trela para os problemas que possam aparecer. Mas sem perder a consciência exata de que a vida também pesa e cobra — pondera.
O especial “Doce de mãe” faz uma leitura bem-humorada de um drama do cotidiano.
— Nós tínhamos dois caminhos. Ou a gente tratava o tema de maneira trágica ou tragicômica. Optamos pela segunda opção. O registro é o de uma comédia humana — explica a diretora Ana Luiza, que concebeu a ideia do programa, um tema já explorado por ela no curta-metragem “Dona Cristina perdeu a memória” (2002).
Durante o programa, os filhos de Picucha tentam várias soluções para resolver a questão. Com a chegada de Lenir, tudo parece acertado. Mas basta a empregada carregar a patroa para um pagode para a situação sair de controle. A matriarca se empolga na farra e bebe todas.
— É um porre de uma senhorinha elegante — deixa claro Fernanda, mostrando um gosto pelo humor: — Tenho feito ótimos dramas no teatro, mas adoro comédia. Esse especial, por exemplo, não é um humor rasgado. É na medida.
Em cena, uma das saídas pensadas por Picucha para não incomodar os filhos é chamar o morador de rua Jesus (Daniel de Oliveira, com os cabelos enormes) para viver com ela. Mais adiante, seus herdeiros finalmente se rendem e passam a se revezar na casa dela. É a deixa para mais confusões.
Trabalhar com Fernanda é um desejo antigo de Furtado. Apesar de dirigir a atriz pela primeira vez, o cineasta lembra ter escrito um episódio de “A comédia da vida privada”, estrelado por ela em 1995.
— A Fernanda é uma palhaça total. Quanto mais bobagem a gente propõe, mais ela gosta — afirma o diretor.
Nos bastidores, chegam a ser um lugar-comum os elogios dos outros atores do elenco ao desempenho da veterana.
— Ela é atriz, mãe, mulher... É praticamente uma entidade. Ao mesmo tempo, é tão amorosa e não impõe nada. Ela sabe muito disso que a gente faz, mas não carrega nenhuma autoridade — observa Mariana Lima, que já fez o papel de filha da atriz no filme “Olga” (2004).
Para Louise Cardoso, “trabalhar com Fernanda é um privilégio”.
— Fizemos “Cambalacho” (1986) e “Zazá” (1997), mas estava com saudade — afirma.
Ela destaca um dos momentos mais marcantes com a veterana na série: a sequência em que toda a família vai até o cemitério enterrar os ossos do pai. E relata outra ocasião compartilhada com a colega.
— Fernanda me carregou para tomar um chá com ela e Eva Sopher (diretora do Teatro São Pedro) num dia de folga em Porto Alegre. A gente comeu tanto doce... Eu, que sou vegetariana, tive dor de cabeça. Imagina! Elas têm 83 e 89 anos. Gravei as duas cantando e contando histórias com a câmera do meu celular. Volta e meia, quando estou triste, revejo a cena — revela Louise.
Dona Picucha aprovaria.



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