Almanaqueiras: ou não queiras.

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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Não é Deus que é misterioso; é a vida que é misteriosa.


Deus e a Morte

Carlos Drummond de Andrade



Uma perguntinha simples: você tem fé? Você crê piamente em alguma coisa, seja num Deus favorito, princípio ou teoria? Seja como for, você possui algo que te mobiliza, que te dá forças para enfrentar a rotina de existir?

O motivo dessas questões todas é bastante simples: o Café  (blog) esta semana irá discutir o tema da perda da fé, então, seja lá onde quer que você esquecido a sua - numa gaveta empoeirada, numa memória desoladora, num livro revelador -, terá conosco uma semana para procurá-la novamente ou desistir e simplesmente dizer: “ah, nem faz falta”.

Com isso, iniciamos hoje com cultura de alta qualidade, aliás, vinda de um velho conhecido aqui do blog, seu Carlos Drummond de Andrade, que irá nos dizer sucintamente o que é que ele pensa a respeito.
Creiam... Ou não.





  Você não pode imaginar como Deus me chateia. Eu não creio nele. Creio realmente numa organização natural que pode tomar o nome de Deus. Esse argumento de que não é possível existir nada sem um poder gerador que seria Deus não resolve, porque então quem criou Deus? Deus gerou o mundo? E quem gerou Deus?
[...]
Não é Deus que é misterioso; é a vida que é misteriosa. Por que nós nascemos? Por que alguém nasceu e gerou outros tantos? Esse mistério não está explicado, e eu me curvo diante dele. Agora, não aceito uma explicação metafísica.

A única coisa de que estou convencido é de que nós morremos de verdade, nós morremos mortos. Nós não revivemos, porque não há nenhum exemplo na natureza disso. Essa história de transformação está bem, mas a essência humana desaparece. Se ela se converte em cinza, em adubo, em qualquer coisa, não é mais a essência humana. Vamos convir que o homem não é assim tão importante.

E aí vem o problema da morte. A aceitação da morte é o máximo que o ser pode conseguir para efeito de se ajustar com a vida, de se entender com a natureza. Se todas as coisas são mortais, o homem não pode pretender à imortalidade. Ela me parece uma grande pretensão de sua parte. Com a ideia da imortalidade, ele se consola da sua mortalidade, mas ele não tem nenhuma prova de que exista essa imortalidade. 
 

ANDRADE, Carlos Drummond de. Maria Julieta entrevista Carlos. Entrevista a Maria Julieta Drummond de andrade. CD. Rio de Janeiro: Luz da Cidade, 2002.

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