De Bicicleta
Eduardo Pereira
Não, eu não conheço o programa de ações e intenções da trinca carliana candidata à prefeitura de Cajazeiras. Não, não conheço. Porém, (eu já ia falar que sempre há um ‘porém’, e assim disse, e assim fica) como eu estive há pouco mais de um mês em Cajazeiras, e vi que está havendo uma expansão imobiliária desenfreada em nossa urbe, com terrenos sendo vendidos, e outros já vendidos de há muito tempo, para construção, não de imóveis de forma aleatória, e sim de bairros, e, pelo visto, essa é uma realidade irreversível, com cara de que novos terrenos ao redor de Cajazeiras surgirão para construção de novos bairros, fazendo assim um cercado de bairros, forçando o surgimento de uma Cajazeiras nova e uma Cajazeiras antiga, ou seja, como todas as grandes cidades, o centro se tornando a cidade velha, desvalorizando seus imóveis e o inverso para os do círculo da cidade, então quero sugerir... Coloquei essa reticência porque esse parágrafo está ficando muito comprido e eu ainda não expus o quero falar. Pulemos para o próximo parágrafo.
Gostaria que nesses bairros fossem criadas ciclovias para se estimular a cultura de rodar bicicleta. Isso mesmo. Caminhemos e rodemos de bicicleta. O trânsito que hora grassa no centro de Cajazeiras, futuramente será migrado também para esses novos bairros. E as ciclovias comporiam a estética e praticidade de uma cidade moderna, ou melhor, bairros, de acordo com o ritmo de vida contemporâneo. Não sei se no anel de Cajazeiras, a chamada ‘estrada do contorno’, também seria viável. Melhor dizendo: retiro o verbo ‘seria’ para o afirmativo ‘é’.
Sei perfeitamente que em Cajazeiras centro, essa Cajazeiras ‘antiga’, não é viável a criação de ciclovias ou ciclofaixas. Tudo está tão apertado, ou, tudo já era tão apertado, que não dá para sonhar com isso. Aliás, sonhar é perfeitamente possível. Sei lá, de repente algum dessa trinca que se elegerá no próximo mês dá na veneta e começa a querer a criar algo diferente pra cidade, e esse algo diferente seria pistas para bicicletas.
Sei que você, provável caro leitor, dirá que existe algo muito mais importante para Cajazeiras a ser criado, algo benéfico á população. Sim, com certeza, você tem toda razão. Quer coisa mais inteligente, algo muito melhor, algo mais salutar para a cidade e para seus habitantes do que termos uma cidade totalmente arborizada? Além da beleza teríamos o benefício da saúde para todos, porque não existe coisa mais gostosa do que se caminhar, num sol torrente como é o de Cajazeiras, à sombra de árvores. Parar à sombra de uma árvore ao encontrar um amigo e bater dois dedos de prosa rapidinho, só para saber como está a família, só para criticar os políticos que não cumprem com suas palavras, ou para saber que o boato que corre na cidade é que fulano de tal..., existe coisa melhor do que isso?
Sim, a arborização é vital, já deveria constar implicitamente do programa de ações de qualquer candidato a prefeito, de forma natural, para uma cidade que é castigada por um sol causticante, onde sofre o gato que não pode ficar preguiçosamente no peitoril de uma janela, e a criança que retorna da escola ao meio dia com o peso de sua mochila e de seus conhecimentos recém-aprendidos.
Voltando à idéia das ciclovias. Credito esse meu desejo talvez ao romantismo de minha memória afetiva infantil, quando Cajazeiras tinha lojas de oficinas e aluguel de bicicletas. Num texto bem antigo, mais ou menos no início deste blogue, falo desse tema, onde guris de Cajazeiras alugávamos bicicletas e rodávamos pelas ruas à-toa em peripécias cem. Cem, e não mil, porque aí já é exagero. Diga-se de passagem que não estou querendo que Cajazeiras seja a Holanda paraibana, país onde se tem praticamente uma bicicleta para cada um dos 16,7 milhões de habitantes. País onde, em cada duas pessoas que deixam suas casas em direção às escolas ou universidades, uma segue de bicicleta. País em que um em cada quatro holandeses vai para o trabalho pedalando. E, com esses números expressivos, a Holanda está tendo um belo problema: espaço para guardar as bicicletas de seus usuários, enquanto nós temos com nossos automóveis.
Uma argumentação que desmonta esse meu desejo de se ter ciclovias nos novos bairros de Cajazeiras, e no seu entorno, é o de que, como se ter uma febre por bicicleta em seu uso diário, numa cidade de clima quente, onde o suor corre a gotas pela testa, que faz colar nossas roupas aos nossos corpos? Não há clima, literalmente falando, de deslocamento para o trabalho e a escola com o suor sagrado escorrendo rosto abaixo, mesmo que a cidade tenha distâncias curtas. Chegar-se-ia a seus pontos finais encharcados, salgados.
Fiquei enculcado com essa idéia de ciclovias porque me senti premido pela nostalgia - anos 60/70 -das bicicletas de João de Manezim vendendo revistas usadas e livrinhos de bangue-bangue; pela bicicleta de Zé de Souza indo ele fazer vigilância da agência de automóveis de Zé Cavalcante e ficava deitado na calçada, num papelão, ouvindo num radinho a pilha jogos transmitidos pela Rádio Globo do Rio de Janeiro; pela bicicleta de Ivan Cavalcante, meu vizinho de infância, sobrinho de seu Zé Cavalcante, na qual aprendi a rodar; pelas bicicletas dos beradêros que apareciam aos sábados nas feiras de Cajazeiras, e eram muito enfeitadas – como se dizia: ‘mais enfeitadas do que burro de cigano’; e, por último, pelo belo filme italiano que me embeveceu, Ladri di Bicilette, dirigido por Vittorio De Cica. Não, ainda não é por último, desculpem-me. Ainda há uma outra imagem em meu subconsciente: eram as raras, como hão de ser, as inesquecíveis bicicletas, as louváveis bicicletas, dadas por Perpétuo, Blu, Biu, Fuba e outras constelações do futebol de Cajazeiras dos anos sessenta e setenta no Estádio Higino Pires Ferreira. Eram verdadeiras pinturas de bicicletas. Desculpem meu hiperbolismo.
Minha primeira bicicleta, que comprei já aqui em Brasília, foi uma dessas bicicletas de corrida, pneu fino, guidon arqueado. Mau dei minhas primeiras voltas, em estado de gozo com meu primeiro transporte particular, Ivaldo, meu irmão falecido, pediu para ir comprar pão na padaria e, vocês já sabem, né, pelo clima que estou falando, o fim dela foi, é lógico, as mãos suaves de um larápio. Foi só o tempo dele, Ivaldo, chegar ao balcão para pedir os pães e voltar e ter a sensação do vazio. Não fiquei magoado. Fiquei foi rindo da categoria do ladri tirar o pão-doce de minha boca.
Bem, retorno ao primeiro parágrafo desse texto. É evidente que eu jamais esperaria que algum prefeito interiorano, com mil problemas a enfrentar pela trinca temática eleitoreira saúde/educação/segurança, quisesse construir ciclovias e estimulasse através de sua publicidade administrativa o hábito de pedalar á população. Isso tudo que falei aí acima é um exercício de imaginação. Depois de longos quatro anos, por opção, ter eu comprado uma bicicleta monark circular, igualzinha daquelas dos beradêros, que me referi aí acima, aposento a bichinha e adquiri uma moderna, com não sei quantas marchas, bem levezinha. Agora saio voando por aí, não com os cabelos ao vento, porque não mais os tenho, mas com a alma levitando, de quando eu era guri descendo as escadas da Igreja Matriz de Cajazeiras em uma bicicleta velha alugada.
Eduardo Pereira
Presidente da AC2B
E-mail: dudaleu1@gmail.com
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