Cajazeiras. Década de 60/70. Cajazeiras já teve vários sapateiros muito bons. Lembro-me de Gilberto, filho de dona Lilia, esposa de seu Esmerindo Cabrinha, maestro que estou sempre a lembrar aqui neste blog. Gilberto tinha uma oficina ao lado da sede da Orquestra Manaíra e até Valdim e Toinho, meus irmãos, fazia uns bicos por lá.
Gilberto cortava o couro através de moldes com uma faca bem amolada – a proporção que ia cortando com maestria ia mastigando a ponta da língua numa das laterais dos lábios – e dava umas marteladas nas pontas para ir amaciando o couro. Depois ele passava cola, deixava secar e fazia as colagens das peças. Para reforçar ainda mais costurava com linha própria para sapatos. Aos poucos a gente ia vendo nascer artesanalmente um par de sapatos. As pontas de couros que iam sobrando ficavam espalhadas pelo chão e pelo seu avental, e só no final do dia é que os meninos recolhiam pro lixo.
Lembro-me que no colo de Gilberto havia uma pequena mesinha de trabalho com umas divisórias pequenas cheias de preguinhos. Ele colocava o sapato na forma, um tripé de ferro, e ia batendo com o martelo – martelo com a cabeça redonda – e colocava um punhado de preguinhos na boca e, perigo dos perigos, ainda conversava! Ia dando ordens com uma voz meio enrolada. Eu tinha um tremendo medo que ele engolisse um daqueles preguinhos e lhe causasse um sério dano. Quando eu ia lá em sua oficina procurava até não conversar muito quando ele estava com esses preguinhos na boca. Mas se a gente observasse tudo quanto era sapateiro tinha essa mania. O cheiro de couro e de cola de sapateiro imperava no ambiente. Já prontos, os sapatos abasteciam o mercado consumidor de Cajazeiras.
As bancas de sapatos da família dos Caiçaras, no Mercado Público de Cajazeiras, vendiam esses sapatos, não só em Cajazeiras, mas também nas feiras de Jatobá e Ipaumirim-CE, aos domingos. Valdim, meu irmão, sempre ia com ‘seu’ Bernardo Caiçara, vizinho nosso, fazer essas vendas.
Gilberto era tão bom violonista quando sapateiro. Era canhoto. Tinha um estilo, para mim, parecido com o de Riba, que hoje toca em eventos e pelos bares de Cajazeiras.
Um outro exímio sapateiro de Cajazeiras era “seu” Moacir. Era um craque. Muitas mulheres cajazeirenses calçavam sapatos confeccionados por ‘seu’ Moacir no mesmo estilo da última moda do Rio de Janeiro, que, por sua vez, calçavam sapatos no mesmo estilo da moda européia.
E que mistério era esse que nosso sapateiro exemplar tinha essa capacidade criativa para modelar sapatos finos à la Copacabana e Paris e colocar as mulheres cajazeirenses em dia com o chique do centro da moda mundial? Quem tem capacidade criativa se destaca, e foi assim que ‘seu’ Moacir se destacou, pegando as revistas O Cruzeiro -, que era uma revista ilustrada brasileira, que começou a ser publicada em 1928 pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, e fazia muito sucesso no Brasil inteiro – e copiava os modelos de sapatos femininos, tal qual aparecia na revista.
Eduardo Pereira
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