De manhã cedinho eu, ou algum irmão meu, íamos comprar pão pro café na padaria. Cajazeiras tinha várias padarias em várias épocas. Tinha a padaria de ‘seu’ Massilon, pai de Custódio e outros irmãos, que ficava ao lado da igreja dos crentes, a Assembléia de Deus ; tinha a padaria de ‘seu’ Zeca, de frente pra praça dos carros, e hoje é o bar de Bibiano; tinha a padaria de Hidelbrando, na Camilo de Holanda; depois apareceu uma padaria mais moderna, que não lembro o nome, na Rua do Armazém de Seu Arcanjo – gosto de personalizar as ruas -; também se podia comprar pão em algumas bodegas, que vinha de alguma padaria; depois na Praça João Pessoa tinha outra padaria; depois... depois...
Todas essas padarias faziam bons pães, prestavam um bom serviço. As pessoas se dirigiam a elas para comprar seus pães de cada dia. Normalmente na fachada dos prédios dessas padarias se tinha o nome delas pintado, e, geralmente era Timóteo, desenhista de letras, pai de Marcondes, que fazia. Era a identificação delas, era seu marketing. Cajazeiras era abastecida por essa produção de pães em escala. As padarias tinham seus padeiros contratados, tinha seus atendentes. Tudo isso é normal. É a lei do comércio.
Tudo isso é normal, falei no parágrafo anterior, como também é normal a citação do dito popular de que “toda regra tem exceção”. E onde estava a exceção no feitio do pão de Cajazeiras se todo pão é um alimento feito de massa de farinha de trigo ou outros cereais, com água e fermento, de forma em geral arredondada ou alongada, e que é assado ao forno? A exceção é que se pode trabalhar com esses mesmos ingredientes e se dá sua versão, seu toque mágico, seu segredo, seu carinho com o trigo.
Pois em Cajazeiras existia essa exceção, reconhecida por todos. Era um pão singular. Era um pão gostosíssimo, era um pão de dar água na boca, era um pão feito por mãos entendidas de pão. Literalmente era um pão caseiro, pois que era feito em casa, sem identificação de padaria na fachada, sem marketing, sem comercial, sem ajudantes para vendê-lo à freguesia, sem padeiros extras para confeccionar os pães.
O responsável por essa particularidade saía pelas ruas de Cajazeiras vendendo seu peixe, ou melhor, vendendo seu pão. Seu marketing, seu comercial estavam agregados à sua voz sonora, a seu cesto sempre novinho, sempre limpinho, sempre coberto com um pano bem alvinho, e ele também sempre bem vestido. Seu jingle era conhecido por todas as pessoas de Cajazeiras, pronunciado de intervalos em intervalos de suas passadas largas – ele era alto, pernas longas - pois que tinha de atender sua freguesia cativa. Anunciava seu pão em um tom que não agredia aos ouvidos de ninguém: “olhaí o jacaré, quem vai querer! olhaí o pãozinho quente na hora, quem vai querer!...”, e quando gritavam por seu nome para comprar o pão ele elastecia seu bordão em um “Ô PÃOZÃO DE ARROBA!”. À tarde ele passava em frente a minha casa – Rua Pedro Américo - por volta das treze/quatorze horas e, quando era lá pelas dezessete horas, estava eu na Praça do Espinho e via-o passar com o cesto, sempre vazio.
Quando ele passava na calçada de minha casa meu nariz acompanhava o cheiro do pão do início ao fim da rua. Naquele momento, eu, criança/adolescente, achava uma merda ser pobre, pois não tinha dinheiro para comprar todo dia aquele pão sedutor, agradável, apetitoso, saboroso, deleitoso, e mais todos os adjetivos afins que o Aurélio, o Houaiss e mais o Caudas Aulete tiverem juntos.
Se vivo fosse, estaria ele completando ontem, dia 19, 92 anos. Pois esse homem simples, educado, trabalhador, religioso, respeitado por todos os cajazeirenses, pai exemplar, chefe de família de primeira grandeza, deu o melhor que podia a seus filhos. Estudei com sua filha no Colégio Comercial, menina aplicada. Com outro seu filho trabalhei fazendo cadeiras na oficina de ‘seu’ Zé Américo. Um outro era jogador de futebol, e um outro é professor de História. Os nome deles são: Criselite – se não me engano esse é seu nome -, Bartol, Beré e Cabral Filho. E o nome desse ilustre senhor, se chama: SAORA!
Eduardo Pereira
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