Com os olhos de guri que há pouco limpara a remela – até parece que a fase maior de remela da gente é quando criança – saio de casa e dou de cara com Pedro Américo, o da Rua, em seu corcel, empunhando uma espada e gritando aos quatro cantos de Cajazeiras: “Ensinar a ler, ou morte!”.
Padre Rolim, que estava sentado num banco da Praça do Espinho, rodeado de crianças, alfabetizando-as pacientemente, ouviu aquela frase, e tomou para si a idéia e nunca mais parou de lecionar para todas as pessoas de Cajazeiras.
Pedro Américo apeou de seu cavalo e pegou um balde de tinta na casa de ‘seu’ Zé Cartaxo, meu vizinho, que era pintor de parede, e saiu pichando os muros das casas e prédios de Cajazeiras com frases e desenhos alusivos à educação.
No muro da casa de Dr. Júlio Bandeira, que ficava ali em frente ao Cine Pax, desenhou a caricatura daquele pediatra, com avental branco e um microfone na mão, dizendo: “saúde e educação para as crianças é a salvação!”.
Peguei meu patinete de madeira, de duas rolimãs, com guidom, e saí pelas calçadas rodando seguindo o famoso pintor paraibano, procurando ser testemunha ocular de suas pichações.
No muro do Cine Pax pintou o retrato de Marcélia Cartaxo enquadrado numa tabuleta de cartazes de filmes, onde, de dentro de um balão de fala de histórias em quadrinhos, saía sua fala: “a sétima arte está aliada à primeira, que é educação!”.
Pedro Américo foi até à casa de Saora, padeiro, e pichou seu muro com o desenho dele, Saora, todo de branco, segurando um pão enorme inscrito uma frase em relevo: “a educação é o pão da vida!”.
Pedro Américo andava rápido, e, por isso, eu tinha que suar em segui-lo no meu patinete. Parou o homem de Areia na Cadeia Pública e meteu o pincel a rabiscar o muro. Desenhou uma escola sem muros com uma frase: “Fechem essa prisão e abram 20 escolas de educação e não teremos mais nenhum ladrão!”.
Na casa de Cristiano Cartaxo, o mestre do pincel, com sua mão hábil, desenhou-o às margens do Açude Grande escrevendo uma poesia onde se destacava a frase: “ a educação com poesia não é rima, é uma solução!”.
No Teatro Ica, Pedro Américo desenhou-a com um gesto expressivo falando: “o teatro é um meio muito eficaz de educação”.
No Bar do Décio, Pedro Américo pediu para descer uma bem geladinha, e, ouvindo estórias e histórias narradas pelos asilados, pelos boêmios, pelos bebuns, lá presentes, desenhou na parede interna do bar, Ferreirinha, em que, no lugar de seu farto bigode, aparecia uma faixa de pano com a frase: “você tem sede de que? Eu tenho sede de educação”.
No muro da casa de João de Manezim Pedro Américo desenhou um arlequim, um palhaço sertanejo, alegríssimo, com os braços abertos, a boca escancarada soltando a frase: “minha escola de samba, é minha escola, minha escola da vida!”
No muro da sede do jornal Gazeta do Alto Piranhas, Pedro Américo desenhou um guri com o jornal Gazeta em uma mão e na outra o jornal Rio do Peixe, estampando a mesma frase: “imprensa livre é reflexo de povo educado”. A repercussão dessa manchete chegou até Souza, que chegou até Pombal, que Chegou até Patos, que chegou até Campina Grande, que chegou até João Pessoa. Todos perceberam que o xis da questão, o xis de um povo educado e desenvolvido, é a educação. Os jornalistas dos jornais O Norte, Correio da Paraíba, A União, Jornal da Paraíba, e tudo quanto é jornal das cidades da Paraíba, chegaram à Cajazeiras e constataram que a educação era o forte na terra do Padre Rolim. E as capas dos jornais de todas essas cidades repercutiram que, realmente, quem ensinou a Paraíba a ler, foi a cidade de Cajazeiras.
Bam! Bam! Bam! Alguém batia no punho de minha rede. Imaginei ser minha mãe acordando-me para ir ao Grupo Dom Moisés Coelho aprender o bê-a-bá.
- Acorda, Eduardo, se não você vai perder as aulas! Levanta! Não se esqueça que Cajazeiras é a cidade que ensinou a Paraíba a ler!
Na realidade não era minha mãe quem estava me chamando, era Zé Limeira, Poeta do Absurdo, quando de sua passagem por Cajazeiras.
Eduardo Pereira
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