Almanaqueiras: ou não queiras.

Almanaqueiras: ou não queiras.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A BARRUADA

Cajazeiras não tinha semáforo, poucos carros circulavam na cidade, o trânsito era tranqüilo. Até caminhava-se pelo meio da rua sossegadamente! Nunca ouvi falar que alguém tivesse sido atropelado pelas ruas da cidade. Eram os anos 60/70.

Mesmo com essa tranqüilidade às vezes acontecia uma barruada. Sim, era raridade, e por ser raridade isso se transformava em notícia, em evento de muita curiosidade.

Tenho impressão que a maioria dessas barruadas se davam no entroncamento das Ruas Padre José Tomaz e Pedro Américo, na confluência das esquinas da casa de Sinval do Vale, a Escola Pedro Américo, mas conhecida como EPA!, a casa de Dr. Júlio Bandeira
e a esquina do Prédio São Vicente, que mais tarde passou a ser o Cine Pax. Na Camilo de Holanda também ocorria.

Essas poucas barruadas aconteciam às vezes em dias de feira livre, com carros vindo das redondezas, ou com os próprios carros da cidade provocadas pelo relaxamento da calma de nossa urbe.

E quando acontecia saía gente correndo de tudo quanto é canto para ir ver. Se o acontecido fosse depois do almoço, tinha até gente de pijama, fugindo da soneca tradicional de depois do almoço. Crianças curiosas, como os próprio adultos, faziam um círculo em volta dos dois carros barruados e esticavam os pescoços para ver mais de perto os amassados dos carros. Ninguém estava tão preocupado em saber se houve vítimas ou não, o importante era ver se o amassado era grande ou não, para soltar a exclamação: “eita, égua da gota serena!”, ou “vixe, Maria, essa foi de lascar o cano!”.

Gente chegando mais e mais com a pergunta na ponta da língua: “o que foi, o que foi?”, como se nada soubesse, quando o boato já havia espalhado há muito tempo! E completava com outra pergunta: “quem tava na mão? Esse carro veio dali, ou foi dali? Ah, então esse aqui é que tava na mão certa!”

E, para completar o cenário, a Rádio Alto Piranhas já disparava sua vinheta musicada de notícia extraordinária: “o que foi que aconteceu, nossa reportagem, vai informaaaaar”. E o repórter entrava no ar: “acaba de acontecer uma barruada no entroncamento das Ruas Pedro Américo e José Tomaz, constatando-se que não houve vítimas fatais, portanto, não havendo necessidade de deslocamento de pacientes para o nosocômio, no entanto, é grande a aglomeração de curiosos, mas o clima reinante é de expectativa quanto aos entendimentos entre as partes envolvidas. Nossa reportagem está em sintonia com o fato em cima da hora e voltaremos a qualquer instante dando mais detalhes. Nossos c omerciais, por favor, estúdio!”.  A Rádio Cajazeiras também se fazia presente para compor melhor a cobertura jornalística do grande acontecimento do dia, ou, quiçá, da semana.

Para nós, crianças, um acontecido desses era uma festa. Depois que todo mundo ia embora, depois que se retiravam os carros, nós ficávamos no local para pegarmos restos de faróis quebrados, borrachas, pedaços de ferro, ou qualquer quinquilharia que sobrasse para brincarmos ou, simplesmente, termos o prazer de ficarmos investigando inutilmente essas tralheiras.

Em tempo: sei que a palavra correta é ‘abalroamento’, mas fosse alguém pronunciar dessa forma pra ver se alguma pessoa ali sabia o que era! Ou, se sabia, o correto mesmo, para nós, era BARRUADA!

Um comentário:

  1. Esta matéria me fez voltar no tempo...
    Dr Valdemar e a talentosa Íracles, que também era teatróloga

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