Por conta do Bonifácio
Expressões populares, você sabe como é. Surgem, vivem décadas de glória e, à medida que seus falantes vão morrendo, entram em desuso e somem da língua. E só não se pode dizer que para sempre porque, um dia, alguém fora do tempo tira uma delas do baú e resolve aplicá-la a uma situação corrente. Foi o que me aconteceu esta semana com a expressão "por conta do Bonifácio".
Mais exatamente, "estar por conta do Bonifácio". Algum leitor saberá hoje o que significa sem ir ao dicionário? E que dicionário será este? O "Aurélio" e o "Houaiss" não a registram. Teria eu imaginado a expressão? Não –porque me lembro de, em criança, ouvir gente à minha volta rindo e dizendo: "Fulano está por conta do Bonifácio!", querendo dizer que Fulano estava tiririca, uma fera, uma arara, com alguma coisa.
Inconformado, continuei a busca e encontrei quem reconhecesse a expressão: o "Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa", de João Gomes da Silveira (Martins Fontes, 2010). O verbete é o "Estar por conta": "Estar indignado, furioso, zangado; ficar muito irritado, aborrecido. Estar por conta da vida, estar por conta do Bonifácio, ficar por conta". Vibrei. Calculo que a expressão tenha nascido no tempo de d. Pedro 1º e o Bonifácio em questão, não sei em que contexto, tenha sido José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da Independência.
Veio-me à cabeça porque, nesta quarta, a Câmara votará a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, acusado de um ou dois crimes, e Temer ficou por conta do Bonifácio com a divulgação de vídeos em que o delator Lúcio Funaro o deixa mais sujo ainda.
Temer está também por conta do Bonifácio porque sua defesa depende do relatório do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), a seu descarado favor. Mas já não se fazem Bonifácios como há 200 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário