Almanaqueiras: ou não queiras.

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terça-feira, 18 de julho de 2017

O escrito não vale mais. Vale o impresso.

No jogo do bicho, o 'vale o escrito' não vale mais 

Alvaro Costa e Silva 


Um leitor estranha que no Rio ainda haja bicheiros, e que estes comandem a Liga Independente das Escolas de Samba. Não só aqui, meu caro, mas em todo o Brasil o jogo do bicho, criado em 1892, continua poderoso. E tão visível que ninguém mais repara, por corriqueiro. Em cada esquina tem um ponto. Já faz parte da paisagem.

Em sua "História do Brasil pelo Método Confuso", publicada em 1920, Mendes Fradique escreve que ele foi "convertido em uma instituição nacional permanente, sob a guarda das autoridades civis e militares". As apostas, feitas em papeluchos, sempre honradas: quem ganhava recebia em dinheiro vivo. O bicho tinha até sua "Constituição", em parágrafo único: "Vale o escrito".

Na década de 1970, a banca da rua Cândido Mendes, na Glória, era uma festa. Gerentes e apontadores lembravam personagens de Marques Rebelo: bigodinho, costeletas, cordão de ouro, camisa de seda, calça branca vincada, sapatos bicolores. E que caligrafias! Simples números eram desenhados com ornatos, volutas, arabescos.

Na época, mal sabíamos da estreita ligação dos capos da contravenção com a ditadura militar, cujas ações não só protegeram como também permitiram e estimularam o crime organizado. Uma situação que saiu do controle com as disputas familiares e sanguinárias pelo poder, as guerras pelos territórios, a transição para a modernidade, quando o jogo anotado à mão perdeu a preferência para as máquinas caça-níqueis.

Outro dia sonhei que havia um jacaré debaixo da cama. Resolvi tentar a sorte. No ponto, encontrei uma mocinha segurando uma maquineta, semelhante às de pagamento com cartão de crédito. O "bicho eletrônico" possui software, sistema operacional, chips e rede de intranet. Dizem que ficou quase impossível acertar um duque de dezena. O escrito não vale mais. Vale o impresso. 

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