Almanaqueiras: ou não queiras.

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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O carnaval de rua é um milagre que aconteceu apesar de tudo e todos que nos governaram.

O carnaval de rua é um milagre que aconteceu apesar de tudo e todos

Gregorio Duvivier




O Rio é a única cidade cujo hino é uma marchinha de Carnaval. Nosso hino não fala de guerras, de honra, nem de inimigos, mas de "jardim florido de amor e saudade" e "ninho de sonho e de luz". Todo líder mundial que passar pelo Rio vai ter que ouvir "Cidade Maravilhosa". É oficial: a marchinha nos rege.

Quando era pequeno, minha mãe me fantasiava de pirata e saíamos pela cidade procurando um bloquinho. E não era fácil encontrar um. Rodávamos a cidade inteira. De repente, ouvia, ao longe, o som de um surdo. Íamos correndo em direção a ele como quem caça um passarinho. Quando virávamos a esquina, uma dúzia de fantasiados tocava e dançava ao som de marchinhas: aquilo pra mim era o céu. Homens vestidos de mulher, mulheres já não tão vestidas, crianças jogando serpentina e papel higiênico molhado –tudo era permitido e tudo era divertido.

Minha avó Ivna era compositora de marchinhas. Nenhuma delas fez muito sucesso fora de casa, mas lá dentro eram hit. "Funciona! Funciona! Funciona –que eu quero ver, quem não funciona não pode sobreviver!" Tinha uns sete anos quando perguntei a ela o que ela estava esperando que funcionasse, e ela respondeu: "O pinto. Tem uma idade que já não funciona mais." Uma outra marchinha dela, mais pudica, dizia: "Não, não, não! Não me deixeis cair em tentação" –inaugurando o filão pouco explorado de marchinhas católicas.

Minha avó morria de saudade do Carnaval de rua. Falava dele como quem fala da Atlântida, a civilização submersa, algo que tinha se perdido no tempo e talvez –vai saber– nem tivesse existido. Talvez, vai saber, tudo tivesse sido só um barato lança-perfume.

Não sei quem fez isso renascer, mas foi muita gente. De vez em quando dá a impressão de que tá grande demais. "Esse ano vai perder a graça". Mas nunca perde.

Tenho pena da minha avó não ter conhecido o Céu na Terra, o Prata Preta e o Boitatá tocando tudo que ela mais amava. Mas também a Orquestra Voadora tocando Fela Kuti, o Boitolo tocando White Stripes, os Amigos da Onça com seu repertório autoral composto só de clássicos.

O carnaval de rua é um milagre que aconteceu apesar de tudo e todos que nos governaram. Apesar de vocês, o Rio continua um jardim florido de amor e saudade/ninho de sonho e de luz. E cada vez mais.

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