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sábado, 31 de dezembro de 2016

o movimento dos insetos: ainda existe muita coisa para descobrir no planeta Terra, esse mesmo planeta que insistimos em destruir a cada dia.

Rios de insetos 

Fernando Reinach 




É inacreditável que, em pleno século 21, ainda existam fenômenos de importância global que passam despercebidos. Mas existem. E a prova disso é a descoberta da migração em massa de insetos entre continentes.

Que animais migram não é novidade. Pássaros do Hemisfério Norte vão passar o inverno no Sul, idosos americanos migram em massa para a Flórida temerosos do frio. E parte de vocês, meus leitores, provavelmente está passando o ano-novo fora de São Paulo.

Essas migrações fazem parte da estratégia reprodutiva de muitos animais e modificam os ecossistemas envolvidos. Predadores passam fome em algumas regiões, em outras se refestelam com a chegada das presas. São Paulo fica vazia e as praias, apinhadas. Restaurantes perdem dinheiro, vendedores de mate fazem a festa.

Que algumas espécies de insetos migram é bem sabido. Nuvens de gafanhotos são uma entre as sete pragas descritas na Bíblia. Mas nunca se desconfiou que existia uma migração em massa de insetos entre continentes.

Isso mudou quando alguns cientistas analisaram os dados coletados entre os anos 2000 e 2009 por dois radares instalados no Sul da Inglaterra e apontados verticalmente para o céu. Esses radares, que cobrem uma área de 70 mil quilômetros quadrados, são capazes de identificar a presença de insetos entre 150 e 1.200 metros de altura. Os dados coletados por esses radares podem ser usados para contar os insetos que pesam entre 10 e 500 miligramas e monitorar seu movimento. Como essa não era a função principal dos radares, durante anos os dados ficaram esquecidos na memória dos computadores. Quando foram olhar, os cientistas levaram um susto. E com o susto passaram a estudar o fenômeno usando balões para coletar esses insetos, identificar as espécies e contar o número dos realmente pequenos, os menores de 10 miligramas que não são detectados pelo radar.


Analisando os dados os cientistas descobriram que 3,5 trilhões de insetos migram todo ano entre a Inglaterra e o continente europeu (2,1 bilhões de pássaros fazem a mesma rota). Esse número é 500 vezes a população de humanos no planeta. O peso total desses insetos é de 3.200 toneladas, uma enorme quantidade de biomassa que cruza o Canal da Mancha. É o equivalente a 45 mil pessoas de 70 quilos voando entre os continentes. Aproximadamente 70% dessa migração ocorre durante o dia, o resto ocorre à noite.

Mas será que esses insetos migram de forma determinada, como as aves, ou são simplesmente carregados pelo vento? Para responder a essa pergunta, os cientistas analisaram 1.320 dessas migrações que ocorreram durante o dia e 898 migrações que ocorreram durante a noite, nas diversas épocas do ano. Para cada uma dessas migrações os cientistas correlacionaram a direção do vento (obtida das estações meteorológicas) com o movimento dos insetos. O que eles descobriram é que os insetos são carregados pelo vento, mas só decolam e sobem para a altitude correta quando os ventos estão soprando na direção certa.

Assim, na primavera inglesa, eles só decolam quando o vento sopra para o norte e no outono só decolam quando o vento sopra para o sul. O resultado desse comportamento é que no outono os insetos vão para a Europa continental passar o inverno em climas mais amenos e na primavera retornam para a Inglaterra.

Esse fenômeno nunca havia sido descrito, é uma total novidade. Mas o que mais impressionou os cientistas é que esses números enormes foram detectados no Sul da Inglaterra, um local relativamente pobre em insetos. Se esse fenômeno ocorrer sobre a Amazônia e o Cerrado, onde a quantidade de insetos é ordens de magnitude maior, centenas de trilhões de insetos devem estar circulando bem sobre nossas cabeças. Como o corpo desses insetos é rico em fósforo e nitrogênio, os principais componentes dos adubos, os cientistas estão imaginando se esse fluxo de adubo entre diferentes regiões do planeta não pode ser importante para o crescimento das plantas.

É impressionante como esses verdadeiros rios de insetos passaram despercebidos durante tanto tempo. E nunca é demais repetir, ainda existe muita coisa para descobrir no planeta Terra, esse mesmo planeta que insistimos em destruir a cada dia.

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