Almanaqueiras: ou não queiras.

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domingo, 18 de dezembro de 2016

Não nasci para avançar duas casas e retroceder quatro. Nasci para avançar uma casa de cada vez, cautelosamente.

Metade da vida 

Martha Medeiros 




Não dá para esperar metade da vida para realizar um sonho, metade da vida para resgatar a liberdade, metade da vida para assumir seus desejos mais profundos.

Costumo ser ágil, focada, proativa. Me desembaraço fácil das pequenas mazelas cotidianas, não fico valorizando encrencas. Mas, quando tenho que tomar uma decisão menos corriqueira, aí paro e penso. Dependendo do que for, penso por dias, penso por meses. Se for uma decisão séria mesmo, rumino até a exaustão. Perco algum tempo, é verdade, mas, em contrapartida, raramente me arrependo dos meus atos, das minhas aquisições e das minhas guinadas. Não nasci para avançar duas casas e retroceder quatro. Nasci para avançar uma casa de cada vez, cautelosamente.

Só que cautela é uma coisa, medo é outra. O medo paralisa por muito mais do que semanas e meses. Tem gente predisposta a uma virada, mas antes espera a bênção de Deus, espera a situação ficar mais favorável, espera passar o Natal, espera o ok dos astros, espera ter mais certeza, espera aparecer a coragem, só que coragem não aparece, coragem se cria.

O que a pessoa está esperando, na verdade, é por uma chance de transferir a responsabilidade do seu ato. Está esperando que o destino se encarregue da mudança para não precisar assumir ela própria as consequências de sua decisão. E, por causa dessa protelação descabida, quando dá por si, descobre que já passou metade da vida.

Não dá para esperar metade da vida para realizar um sonho, metade da vida para resgatar a liberdade, metade da vida para assumir seus desejos mais profundos. Metade da vida é tempo demais, metade da vida pode significar uns 20 anos. Levar décadas para mudar uma situação significa ficar mais tempo gestando a tal nova vida do que a vivendo de fato.

Essa consciência de que não se pode mais adiar coisa alguma surge muito claramente quando atingimos a meia-idade, que é variável – cada um pressente quando alcançou a sua. Estou em plena vigência da minha (é, ainda) e convivo com outros em igual período, todos confirmando que é uma etapa efervescente e fértil, adequada para fazer planos, virar mesas, recomeçar do zero, acreditar em si de uma maneira renovada e alegre.

Querendo ou não, todos nós passamos metade da vida procurando entender quem realmente somos, mas será que ainda somos? Talvez devêssemos trocar o tempo desse verbo: quem éramos. Nossos pais, amigos e parceiros conjugais esperaram muito de nós, e fizemos o possível para atendê-los, porém, agora, ninguém espera mais nada de nós, e nós não esperamos mais nada de nada. Ou a gente ousa, ou morre.

Que não gastemos tanto tempo para escolher entre essas duas alternativas. Morrer é vegetativo, ousar é vertiginoso.


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