Veto local
Luiz Rufatto é vetado por embaixadas brasileiras mas laureado na Alemanha
Alexandre Viana

Conforme havia antecipado Ancelmo Gois em sua coluna, o escritor mineiro Luiz Ruffato disse em entrevista a Edney Silvestre, no “GloboNews Literatura”, que teve o nome vetado em feiras internacionais nas quais o Brasil foi o país homenageado, em razão do discurso que proferiu na abertura da Feira de Frankfurt, em 2013.
Passados três anos daquela fala em que desenhou um retrato da sociedade brasileira com a maestria que só intelectuais de sua envergadura seriam capazes, o escritor vive um paradoxo que confirma o que expôs: enquanto é vetado pelas embaixadas brasileiras no exterior, é laureado na Alemanha, onde foi proferido o discurso, com o Prêmio Hermann Hesse de Literatura 2016, um dos mais cobiçados no planeta.
Não é difícil, entretanto, entender o motivo de tamanho desconforto.
A polêmica não pode estar, evidentemente, na descrição, embora assustadora, de dados que estão acessíveis a qualquer pessoa na internet, muitos menos nas inevitáveis conclusões que deles se pode tirar, classificando a sociedade brasileira como elitista, machista e racista. O incômodo está na crença do papel transformador da literatura. A revelação de sua experiência individual como referência de que a literatura pode afetar as pessoas e de que, como a sociedade é feita de pessoas, a literatura pode transformar a sociedade.
No Brasil, os dados sociais servem muito bem para a elaboração de mapas, diagnósticos, estudos acadêmicos e promessas de campanha, nada muito além disso. Fala-se muito, pouco se faz.
No mundo real, no Rio um adolescente é apreendido por hora, são 24 por dia, 720 por mês, 8.640 por ano, criando um pêndulo caótico na nossa história, um futuro esperançoso que se transforma rapidamente na perda de uma chance.
A transformação social funciona como instrumento efetivo da implementação de um Estado republicano e democrático na busca da igualdade de meios, com acesso aos direitos fundamentais, principalmente as minorias, no que diz respeito a saúde, educação, meio ambiente sustentável, probidade administrativa, e um sistema judicial justo. A democracia é muito menos a deliberação pela vontade da maioria, que a proteção dos direitos da minoria contra a vontade da maioria.
Mas isso, é claro, implicaria deixar para trás um Estado politicamente arcaico, viciado no toma lá da cá dos arranjos de gabinete, de uma malandragem que trocou a navalha e a rua pela caneta, de uma população sofrida, analfabeta funcionalmente, violenta e doente, clinicamente doente, contabilizando dia após dia uma estatística perversa de apreensão de menores infratores, uma cifra de jovens invisíveis.
Afinal, o que temem os que pretendem calar quem acredita na transformação social?
Enganam-se os que ainda pensam na democracia baseada exclusivamente no voto. Este permite escolhas, mas o que legitima os governos são suas ações positivas. O voto não é a finalidade da política, a finalidade da política é o bem comum, o voto é consequência. De nada adiantam eleições limpas, partidos políticos organizados, instituições bem estruturadas, se tudo isso for superficial, enquanto no seu interior o poder é investido para não ser exercido.
Pois que ao menos permitam que a voz de quem pensa numa sociedade mais justa e igualitária seja ouvida mundo afora; se não for porque é direito seu de se expressar livremente, ao menos que seja para que permaneça em nossas mentes a utopia de Ruffato, no sentido de que toda criança que vem ao mundo tem o direito de ser feliz, aqui e agora!
Alexandre Viana Schott é procurador de Justiça
Nenhum comentário:
Postar um comentário