Almanaqueiras: ou não queiras.

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domingo, 12 de junho de 2016

Síndrome de Apert: acho superlindo botar a pessoa antes da deficiência.

Olivia Byington escreve sobre filho com síndrome rara

POR JOANA DALE

Em seu primeiro livro, cantora faz um relato emocionante sobre o primogênito




RIO - Há três décadas, a cantora Olivia Byington escuta a mesma pergunta quando está ao lado de João, o mais velho dos seus quatro filhos: “O que é que ele tem?” Pacientemente, ela explica que ele nasceu com a rara Síndrome de Apert — é contabilizado um caso a cada 160 mil nascimentos no país, segundo a Apert Brasil. Ele passou por mais de 20 cirurgias (para solucionar problemas na caixa craniana, no aparelho digestivo, nas mãos). E hoje, aos 35 anos, é um cara independente, que anda para lá e para cá de ônibus, adora usar camisa polo azul-marinho, faz selfies para postar no Facebook, é apaixonado pela namorada e está em busca de um emprego. As conquistas e os perrengues são relatados pelo ponto de vista da mãe no livro “O que é que ele tem” (Objetiva), que será lançado dia 21, na Argumento, no Leblon. As histórias começaram a ser rascunhadas em 2012, por incentivo do seu marido, o diretor Daniel Filho.

— Eu e o Daniel nos conhecemos na juventude e nos reencontramos em 2009. Cada vez que eu contava uma parte da minha história com o João, ele falava: “Você precisa registrar isso!”

O prefácio é assinado pelo segundo filho, o ator Gregorio Duvivier — ela também é mãe de Barbara e Theodora. E as ilustrações são criações da própria, que, ao narrar o desenvolvimento de João, faz um retrospecto de sua carreira.

— Fiquei com medo de falar muito de mim e fui achando um equilíbrio para contextualizar a vida do João dentro da minha. Acabou ficando bem autobiográfico — diz a cantora, de 57 anos, que sempre rejeitou o papel de coitadinha.

É verdade que os seus amigos sumiram quando o João nasceu?

As pessoas tinham medo do desconhecido. Toda mulher que engravida está diante de um precipício. É horrível dizer isso, mas a gravidez é uma coisa muito arriscada. Se você abrir um livro de genética, vai falar: “Muito obrigada, eu não vou querer ter filhos.” São balas de raspão.

Você teve mais três filhos. Em momento algum você teve medo de engravidar de novo?

Depois que o tempo passa, a gente tende a lembrar só da parte boa. Mas eu tive muito medo, sim. Passei por um trauma, mas que não evitou que eu desejasse ter mais filhos. Um filho com deficiência vai sempre ser especial, vai sempre receber mais atenção, e os outros vão ter que aprender a ser especiais de outra forma. Gregorio, Barbara e Theodora aprenderam a ser generosos.


Não rolava ciúmes entre eles?

Nunca vesti os meus filhos com roupas iguais ou dei os mesmos presentes. Essa contabilidade do afeto não existe na minha casa. Fica forçado e a própria criança começa a fazer contas. A criança precisa aprender a ser generosa.

E a intolerância diminuiu?

Quando o João nasceu, as pessoas com deficiência eram menos incluídas. Não estou dizendo que hoje em dia elas sejam incluídas. A luta pela inclusão é muito séria. Ano passado, Dilma Rousseff assinou uma lei muito importante (que criou o Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Mas o que de fato mudou?

Cada vez mais as pessoas tiram os seus filhos com deficiência de dentro de casa. Nos anos 1950 ainda era uma vergonha. Chamavam de retardado, debiloide, mongoloide. Hoje, a nomenclatura é pessoa com deficiência. Acho superlindo botar a pessoa antes da deficiência. E eu amo o politicamente correto. É a mesma coisa da briga das mulheres. Elas têm que ser tratadas do jeito que elas querem.

Nesta semana, você deixou claro o seu repúdio à cultura do estupro, num debate sobre a barbárie sofrida pela adolescente no Morro do Barão. No livro você fala en passant sobre o episódio de violência que sofreu, aos 18 anos, em São Cornado. Como foi isso?

Eu reagi e quase morri. Tive uma luta corporal com um homem enfurecido que queria me matar... No livro eu botei uma versão enxuta para não roubar a cena da história do João. Mas acho muito bacana hoje em dia eu poder falar para todas as mulheres: contem, falem. O silêncio é o pior inimigo.

Nunca foi uma questão para você?

Nunca tive vergonha, é um ingrediente que não posso separar da minha biografia. Mas eu poupei as minhas filhas de saberem. Só resolvi contar para a Barbara na adolescência, quando ela estava folgando de andar na rua sozinha. A Theodora foi saber agora, pelo livro. Mexe muito com a gente. Mas é importante as pessoas falarem como é importante as pessoas botarem os seus filhos com deficiência desde cedinho na roda da família, num colégio que não seja para crianças com necessidades especiais. Isso foi fundamental para a segurança que o João tem hoje. Ele não tem o menor grilo da aparência, faz mil selfies com a namorada.

E o namoro dos dois, como é?

É tão bonito o encontro do João com a Ana Clara (que também tem Apert). Mês passado, ele ficou uma semana em São Lourenço. Ela já estava lá, com os pais, e ele foi encontrá-la sozinho, de ônibus. O João vai ainda vai me surpreender muito.

O João gosta de música?

Aqui em casa fomos todos criados ouvindo Tom Jobim, música clássica. E desde pequeno o João tem fascínio por música sertaneja. Muito antes de a gente saber quem eram Leandro & Leonardo, ele já vivia cantando, com vibrato, “Pense em mim, chore por mim, liga pra mim”. Aprendeu a gostar ouvindo o rádio de uma cozinheira do primeiro colégio dele. A música estourou muito tempo depois. Ele também ama Zezé Di Camargo & Luciano até hoje.


Então foi uma homenagem a ele a inclusão de “Pense em mim” no repertório do seu show “A vida é perto”, que virou DVD em 2008?

O João trabalhava comigo nesse projeto, vendendo CDs. Ele entrava no show só na hora de ouvir a música sertaneja. Ficamos uns dois anos nessa.

E a sua música? Novidades à vista?

Eu dei uma parada de cantar. Na verdade, eu dei uma cansada. Os últimos anos de “A vida é perto” foram muito sofridos, viajava para lá e para cá com cenários nas costas para fazer Sesc não sei onde, para pouca gente. O Tom Jobim que dizia: “Fazer música é uma doação ilimitada para uma eterna ingratidão.” Eu estava me sentindo exatamente assim. Mas eu tenho vontade de refazer “A dama do encantado” (um tributo a Aracy de Almeida), adoro aquele repertório, os sambas dos anos 1930.

Quais são seus sonhos para o João?

Eu não vou estar aqui para sempre. Sei que ele tem irmãos incríveis, mas quanto mais ele estiver preparado para ser independente, melhor. A Lei de Cotas torna obrigatório que empresas com cem ou mais empregados preencham uma parcela dos cargos com pessoas com deficiência. Então resolvemos procurar a Firjan. Em agosto passado, o João foi todo empetecado fazer uma entrevista. Mas até agora não tivemos resposta. Eu não desisto. Vamos ver até onde vai essa hipocrisia. Essa situação nos fez reviver dramas que vivemos ao bater na porta de colégios que não o aceitavam. Por enquanto, ele tem feito alguns trabalhos com o Daniel, participou do set do filme da Kéfera (Buchmann, uma youtuber de sucesso). Ele adora trabalhar.


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