Almanaqueiras: ou não queiras.

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domingo, 12 de junho de 2016

os sinos não tocam só pelos que morreram, os sinos hoje tocam por todos nós.

    Wilson Gomes

POR QUEM OS SINOS DOBRAM?

O crime de ódio possui algumas singularidades: 



1) ele não é ocasionado por alguma coisa específica feita por alguém em particular, mas pelo ódio por uma classe ou conjunto qualquer de pessoas. No crime de ódio o sujeito tem ódio de qualquer indivíduo do conjunto simplesmente porque o identifica como pertencente àquela classe, a prescindir de suas características singulares. 

2) a razão do crime de ódio é a "comunidade de ódio" da qual faz parte o criminoso. Não há crimes de ódio contra pessoas de olhos verdes simplesmente porque não há uma comunidade que ensina que se deve odiar pessoas de olhos verdes, que oferece razões morais para alimentar esse ódio nem baseia a sua identidade no horror aos de olhos verdes. Enquanto houver "comunidades de ódio" haverá pessoas que sentirão estimuladas a passar do sentimento à expressão desse sentimento e, enfim, da mera expressão à ação para humilhar, ferir ou matar os indivíduos que ele identifica como parte do conjunto dos detestáveis.

Em ambientes sociais onde há fontes abundantes de ódio contra grupos específicos, facilmente se passa por todo os pontos da escala de ódio: do desprezo à humilhação, à segregação, à agressão, ao homicídio, ao homicídio em massa. É bastante uma comunidade de ódio, um ambiente social favorável, uma oportunidade história e, naturalmente, um grupo-alvo para o ódio compartilhado. Podem ser ciganos, pessoas de outra religião, negros, índios, judeus, mulheres, qualquer objeto serve para se odiar e, consequentemente, humilhar, ferir, matar.

Pessoalmente, já vi o ódio passar muito perto, mas o ódio que mata só o presenciei endereçado a amigos homossexuais. Já perdi vários amigos para o ódio aos homossexuais, naquele tipo de assassinato pavoroso em que não se quer matar a pessoa, mas o que ela significa ou representa para o assassino. A história tem exemplos de todos os tipos, mas na minha história singular constato, horrorizado, que o crime de ódio contra homossexuais é ainda o mais arraigado, mais resiliente e o mais contemporâneo mesmo nas sociedades mais civilizadas. Aparentemente, portanto, adotamos um conceito paradoxal de civilização em que o ódio aos homossexuais é, no mínimo, constantemente tolerado. E de tal modo que só paramos realmente para pensar quando o crime de ódio deixa escala das vítimas singulares semanais e passa à escala do homicídio de massa.

Não deixa de ser peculiar a resiliência do ódio aos homossexuais. Nazistas mataram ao montes ciganos, judeus e homossexuais. O Estado Islâmico tem matado, ritualmente, minorias cristãs e, de novo, homossexuais. Fundamentalistas ortodoxos (vide a Rússia) ensina odiar homossexuais. Fundamentalistas evangélicos alimenta o ódio aos homossexuais. Católicos ensinam a desprezar, como eles dizem, a homossexualidade, como se ensino mudasse alguma coisa na justificação da homofobia católica. Fundamentalistas islâmicos assassinam homossexuais. Conservadores de direita e conservadores de esquerda condenam a homossexualidade e dão a sua honesta contribuição para não lhes conceder direitos, respeito, reconhecimento.

O que se depreende disso tudo é que, por mais horrível e desconcertante que seja reconhecer, há ainda um demasiado número de comunidades prontas a prover fontes de ódio aos homofóbicos. E em um nível que, de longe, é incompatível com o padrão de humanismo e de adesão aos princípios da democracia que compartilhamos. Se a homofobia que se faz assassinato - e carnificina, como hoje - nos deixa horrorizados, a homofobia cotidiana que despreza, diminui, rouba direitos, alimenta o ódio e fere e mata no varejo humilha e rebaixa a todos nós que acreditamos em sociedades baseadas na liberdade, na igualdade, na tolerância e no respeito às diferenças. Parafraseando o lindo poema de John Donne, cada morte de homossexual motivada por puro ódio à sua homossexualidade nos diminui a todos. E nos diminui imensamente. Os sinos não tocam só pelos que morreram, os sinos hoje tocam por todos nós.

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