
POR XICO SÁ
Sem essa de culpa pela comilança, meninas. Páscoa é páscoa.
Como diz meu amigo Marco Ferreri, coma, moça, coma!
Ferreri fez um filmaço chamado, na versão brasileira, de “A Comilança”(foto). É um monstro. Vejam também dele, urgentemente, “Crônica de um amor louco”, baseado na obra do velho Bukowski.
Este mal-diagramado que vos fala, por exemplo, comeu duas páscoas inteiras: uma católica, a de sempre; outra de um novo amor judaico, a cosmopolita camponesa polonesa das Perdizes.
Haja bacalhau, vinho, guefilte fish (Que bolinho divino!), vinho, e nada que aquele restinho de caldo com bolinhas de matzá (ai meu Complexo de Portnoy), vinho de novo, não cure o sujeito no dia seguinte.
Sustança para um cristão novo do Cariri com Oliveira e Carneiro entre os tantos sobrenomes possíveis.
Seja ateu, agnóstico, evangélico, do candomblé ou de qualquer ramo religioso, amigo(a), largue dessa culpa pela comilança. Vale a celebração bonita. Nem carece de data.
Como é bonito uma mulher que come direito. Quem vive só de folha é camaleão, minha nega, e cameleão do mato mesmo, porque até o David Bowie manda ver nas panquecas.
Olha o pirão, esmorecida, como alertava meu poeta-mor Ascenso Ferreira, de Palmares, óbvio, Pernambuco.
Cadê o chambaril nessa mesa, moça, como o que comi dia desses feito especialmente pela chefe Ana Luiza Trajano.
Tudo bem, era para a gravação do programa “Fominha” (GNT), que faz o belo favor de juntar a comida típica das sedes da Copa e os costumes futebolísticos. Mas quem disse que não me fartei para valer –me chamou não tem essa de encenação, como até cenário de isopor, como fazia Didi Mocó.
Não foi o caso. O programa é para valer. E essa Ana Luiza, Nossa Senhora de Babette, que mulher com o sentimento do mundo: além de fazer, também come bonito e gostoso -danada!
Haja sustança naquele tutano do osso-buco. Lambuzamento bonito da existência. Em sonho, lambi aquelas duas jabuticabinhas dos zolhim dela como celestial sobremesa, essa Ana Luiza…
Comida de paudurescência, como bem definiu meu amigo Lírio Ferreira, El Lirio Boy, o mais kubrickiano dos cineastas fora Kubrick do nordwest desse mundo.
Ah, nada mais bonito do que uma mulher que come bem, com gosto, paladar nas alturas, lindamente derramada sobre um prato de comida, comida com sustança.
Os olhinhos brilham, a prosa desliza entre a língua, os dentes, sonhos, o céu da boca. Ela toma uma caipirinha, a gente desce mais uma, sábado à tarde, nossa doce vida, nossos planos, mesmo na velha medida do possível.
Pior é que não é mais tão fácil assim encontrar esse tipo de criatura. Como ficou chato esse mundo em que a maioria das mulheres não come mais com gosto, talher firme entre os dedos finos, mãos feitas sob medida para um banquete nada platônico.
Época chata essa. As mulheres não comem mais, ou, no mínimo, dão um trabalho desgraçado para engolir, na nossa companhia, alguma folhinha pálida de alface. E haja saladinha sem gosto, e dá-lhe rúcula!
A gente não sabe mais o que vem a ser o prazer de observar a amada degustando, quase de forma desesperada, um cozido, uma moqueca, uma feijoada completa, uma galinha à cabidela, massa, um chambaril, um sarapatel, um cuscuz marroquino/nordestino, um cabrito, um ossobuco, um bife à milanesa, um tutu na decência, mocotó, um baião de dois, uma costela no bafo, abafa o caso!
Vixeeeeee! Que beleza a que a coisa toda se resume: comer, beber, viver.
E quando a Velha da Foice chegar, nunca seremos nós mesmos que a recebemos, já somos outros, como bem me avisou o grande Epicuro.
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