Nascido no Equador, batizado no Panamá, mas um cidadão carioca
Chapéu é abrigo seguro do sol e veste atualmente as cabeças antenadas do Rio
RIO - Há quase um século o chapéu Panamá enfeita e protege as maiores cabeças do Rio. Rui Barbosa e Tom Jobim eram adeptos da peça, que é feita por índios no Equador, e não no Panamá. Embora nunca tenha sido totalmente posto de lado, de quatro anos para cá ele virou acessório popular: os modelos de papel importados da China vendidos por ambulantes a cada esquina de Ipanema ou do Centro fazem sucesso. Mas abrigo seguro do sol carioca e elegância só são encontrados no verdadeiro Panamá, que atualmente também veste as cariocas antenadas.
Dos anos 1930 à década de 1950, ele teve seu auge. Era item indispensável para os homens. Mas ele ainda cai muito bem. Hoje, até parece feito especialmente para o público do Posto 9, para ser usado num drinque ao pôr do sol no Arpoador, para fazer um charme numa rodinha de samba na Rua do Ouvidor. Ele consegue ser estiloso e, ao mesmo tempo, prático:
— É o chapéu que protege melhor do sol. Ele bloqueia os raios solares e é mais fresquinho na cabeça. E pode ser usado por todas as idades e em diferentes ambientes: em casamentos, festas, na praia — explica Almir Romão Damaso, de 72 anos, dono da Chapelaria Porto, que tem 132 anos de história na Rua Senador Pompeu, na Zona Portuária.
A dica vale para os boêmios que desfilam à noite pela Lapa com o chapéu, no passado símbolo da malandragem carioca. A título de curiosidade, a fama desse item ganhou o mundo depois que o presidente americano Theodore Roosevelt apareceu com ele durante uma visita às obras do Canal do Panamá, em 1906. Um modelo equatoriano bruto era usado então pelos operários.
O consultor de moda Lula Rodrigues conta que o nome tem origem na comercialização do chapéu pelo canal, responsável por globalizar o artesanato equatoriano. Lula diz que os jovens de hoje aprenderam que o item faz parte do dress code masculino elegante — usado primeiramente durante as férias nos trópicos ou nos litorais europeus — e o adotaram.
— O bom chapéu Panamá é caro e indestrutível. Você encontra nas melhores lojas de Londres exemplares tão finos e consistentes que enrolados passam por dentro de uma aliança. Uma loja de Londres manda os chapéus num canudo de poster. Você monta a aba e o centro da cabeça fica impecável — explica Lula.
Por essas características, afirma o consultor, ele ganha em praticidade e se tornou “a cara do homem contemporâneo”. Lula é radical quanto ao seu uso: na sua opinião, as regras de etiqueta não permitem que o Panamá seja usado em ambientes formais.
No Rio, chapéu pode custar R$ 3 mil
Na Chapelaria Porto, há diferentes tipos do El Fino, como é chamado o produto no Equador. É possível encomendar um que seja de acordo com o tamanho da cabeça do cliente, medida por seu Almir, que recebe os chapéus em estado bruto. A peça também pode ser achada em diversos formas e espessuras. Os com material mais fino são aos mais valorizados, e chegam a custar R$ 3 mil na loja. A qualidade da palha é medida pela quantidade de X ou gigas que recebe. Os autênticos equatorianos com preço mais em conta são vendidos a R$ 130.
Os mais baratinhos achados no mercado costumam ser imitação dos originais feitos a mão pelos índios.
— O chapéu Panamá pode custar de oito dólares a oito mil dólares. O mais caro é o pele de ovo. Só peguei na mão em três, que um freguês trouxe uma vez para colocar a fôrma. Ele é fininho, da espessura da pele de um ovo mesmo — diz Almir, que mantém a tradição iniciada pelo avô.
Seu pai, Moisés Romão Damaso, criou os modelos imortalizados por Zé Keti — de abas curtas — e pelos malandros da Lapa — com copa alta e abas longas. Na sua loja, mantinha uma fôrma de madeira especial para Rui Barbosa, cuja circunferência da cabeça media 64, o maior número disponível. Hoje, Almir faz chapéus para autoridades, pessoas da alta sociedade, sambistas. Monarco já encomendou uma leva para ele e outros portelenses, como Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho, desfilarem pela Sapucaí no próximo carnaval.
A Chapelaria Alberto, outra tradicional da cidade, com 118 anos, viu suas vendas de Panamá aumentarem nos últimos quatro anos. Luís Eduardo Sadel, sócio da loja, na Rua Buenos Aires, no Centro, diz que há um componente forte de modismo nessa conta:
— Deve-se a um pouco de modismo, por causa da revitalização da Lapa. Os músicos usam chapéu Panamá e até outros tipos de chapéu voltaram a ser considerados normais no vestuário.
Luís Eduardo aponta, no entanto, como o forte do chapéu a proteção que oferece:
— Ele é o mais adequado para o nosso clima, porque não é um chapéu quente. É uma palha fina que deixa transpirar. Para andar no sol, é o mais adequado — reitera o comerciante, que vende uma média de oito por dia, sendo que nos dias de sol durante o verão a procura aumenta. — O top de linha é o Monticristi (mesmo nome da cidade onde é fabricado no Equador), que é feito com uma palha super especial. Um Montecristi em Nova York deve estar na faixa de 800 a 900 dólares.
Na Alberto, o preço do mais barato chapéu panamá é R$ 140 e o mais caro custa R$ 190. Há dez tipos na loja, todos masculinos, que servem também às mulheres. O mais procurado por elas é o de aba curtinha, enquanto eles preferem o de aba média, modelo esportivo. O auge das vendas do Panamá no estabelecimento da Rua Buenos Aires durou até meados da década de 1950.
O consultor de Recursos Humanos Robson Santarém, de 52 anos, nem era nascido nessa época. Ele adotou há cerca de sete anos o figurino composto pelo chapéu Panamá, faça chuva ou faça sol, seja um evento formal ou informal. O seu estilo virou uma marca registrada, já copiada por alguns colegas. No mês passado, ele foi à premiação da Associação Brasileira de Recursos Humanos, no Vivo Rio, com um de sua coleção.
— Vou aos clientes, faço palestras, vou a congressos sempre de chapéu. Meus clientes me conhecem assim. Hoje ganho chapéus de presente. Ganhei até mesmo um de chocolate, feito em Joinville — conta Robson, que costuma comprar na Chapelaria Alberto.
Tudo começou com um presente de Natal da mulher:
— Para mim, tem uma referência emocional. Meu avô materno usava sempre. Ele morreu quanto eu tinha 20 anos. Num Natal, minha mulher me deu um Panamá que me fez lembrar do meu avô, uma referência na minha vida. Hoje meu chapéu não anda sem mim.
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