sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Marcelino e Manoel. Só a poesia é capaz de nos fazer reanimar.

ALÔ, MANOEL


escrito por Marcelino Freire



- Alô, Manoel. Alô, Manoel. Gostaria de falar com Manoel de Barros, por favor. Isso. Manoel de Barros. Eu espero, eu espero. Alô, alô. Manoel, Manoel, é você? Manoel, meu querido. Aqui é Marcelino. Eu estou te ligando de Campo Grande, Manoel. Eu voltei para Campo Grande e bateu uma saudade, sabe? Vir aqui em tua cidade, na cidade que você escolheu para viver, e não te encontrar, está sendo difícil. Por isso estou te ligando, sabe? Sei lá. Pelo menos a gente se fala, se ouve, assim, ao telefone. Aliás, Manoel, eu já escrevi sobre isso. E já te contei essa história. Eu te conheci por telefone. Conheci a tua poesia lá em casa. Eu ainda adolescente, morava no Recife. O telefone tocou e do outro lado da linha estava a minha amiga Carmita Viana. Ela, alvoroçada. Em estado de graça, Manoel, era a fala dela do outro lado. Conheci um poeta, ela dizia, repetia, um poeta, um poeta. Marcelino, meu amigo, você precisar ouvir isso. E ela danou-se a recitar você em meu ouvido. E o impacto que foi, Manoel, Meu Cristo! Eu nunca tinha escutado versos daquele tipo, daquele jeito. Uma celebração dos silêncios ínfimos. Das coisas sem futuro. A língua dos caramujos, Manoel. Ficamos horas, eu e Carmita, falando a língua dos caramujos. E aí eu fui atrás de teus livros. Era difícil encontrá-los lá no Recife. Mas eu não desisti, não desisto. A gente opera milagres quando quer poesia. Quando deseja poesia a gente vai até o inferno. Perdão, Manoel. Desculpa, assim, falar de inferno. Mas com você eu posso. Céu, inferno, é tudo mesmo aqui embaixo, na terra, no chão. Nuvens se formam nos formigueiros, não é não? A Via Láctea das lesmas, Manoel. Cósmicos grãos de areia. Eta! Mas o que eu estava falando mesmo? Até já me perdi. Ah, isso. Sim. E aí eu consegui os teus livros. E li uma longa entrevista sua na extinta revista Leia. E colecionei teus verbos, tua paisagem mato-grossense do sul. E viajei com tuas palavras. E virei companheiro do teu Bernardo. E aí fui morar em São Paulo. E levei teus livros comigo. E em São Paulo fui atrás de teus contatos. E aí eu te telefonei, se lembra? Você, sempre risonho. Gargalhava. O poeta gargalhava, tão livre. E aí, no Carnaval de 1996, combinei que eu e mais dois amigos iríamos te visitar em plena folia. Viajamos, eu, Sourak e Edson Cruz mais de mil quilômetros. E você nos recebeu de portas e asas abertas. E conhecemos a sua toca, os seus livros, a sua adorável Stela. Conhecemos dois de seus filhos. Ah, e aí contamos com a presença da bailarina. Está lembrado? Isso mesmo. Júlia Pascale. Aquela bailarina que teve a mesma ideia que a nossa e tirou o Carnaval para dançar um poema para você ver. Nosso! Muita história, com você, eu tenho para contar. Tenho até gravado essa viagem toda em vídeo. Você deixou a gente gravar. Deixou, assim, tão raramente. Tão generosamente. E voltei mais vezes a Campo Grande. A gente se falou outras horas ao telefone. Por falar nisso, Manoel, eu acho, ave nossa, que já estou demorando demais, assim, nessa ligação sem fim, não é? Meu Deus! Perdão. É que eu só queria te contar, sabe? Você está em tudo que é lugar aqui, para mim, em Campo Grande. Ontem, por exemplo, começou a oficina de criação literária lá na Casa de Ensaio. E você está lá, em uma foto lá na parede da Casa, como um dos mestres que iluminam aquele espaço. Pulsante. Uma luz eterna sobre a Casa, sobre nós, entende? E eu li poemas seus ontem à noite, Manoel. E me emocionei lendo. E continuarei me emocionando, até o último dia dos meus dias. Porque é essa verdade que procuro quando escrevo. Quando, assim, rebatem em mim os conselhos que você me deu. Esse amor que você carregou a vida inteira pela linguagem. Que coisa linda, que coisa linda. Eta! Manoel, querido, obrigado por tudo. É isso. Liguei para dizer obrigado por tudo. Se hoje eu estou de volta a Campo Grande com o projeto Quebras. Quebras. Sim. É o nome do projeto. Um projeto literário. Nem vale explicar, Manoel. Depois te digo. Esquece. Só te falo que o projeto Quebras tem a ver com poesia, prosa, amizade. É, digamos, uma empreitada que celebra a literatura, o encontro de almas. E, repito, esse encontro, agora, só foi possível porque apareceram pelo meu caminho corações feito o seu, Manoel. Batendo, assim, na mesma vibração. Sei lá. Vocês, poetas, nos ajudam a caminhar. Enfrentar essa vida doida, Manoel. Caramba, Manoel. Quanta saudade. Olha, Campo Grande, Manoel, está linda. E ontem choveu bastante durante a oficina. Acho que foi você, Manoel, que deu uma forcinha. Eu quero acreditar nisso. Que você nos mandou água para florescer as coisas por aqui, tão precisadas. Enfim, enfim, É isso… Deixa eu ir. Estou indo, Manoel… Jorge Filholini, meu querido amigo e parceiro de viagem, te manda um abração do tamanho do mundo. Ele também te ama. A gente te ama, Manoel. Era isso, na verdade, no fundo, o que eu queria dizer. O que eu sempre direi. Eu te amo, Manoel. E esse amor é semente. E esse amor está em mim. E nunca. Nunca mesmo, Manoel, irá morrer. Nunca… Alô, Manoel. Manoel, alô. Manoel, você está aí? Manoel, querido. Alô, alô. Ih! Acho que a ligação caiu. Foi. Caiu. Caiu aqui, Manoel, olha, aqui, Manoel. É você, meu amigo, aos pés dessa flor.

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