Haddad: Um prefeito que adora os Beatles e odeia rituais
Para ex-ministro, chegar à Prefeitura de São Paulo foi 'como escalar o Everest'
Vera Rosa, de O Estado de S.Paulo
Ele tem horror a rituais do poder, dispensa batedores que abrem caminho para autoridades no trânsito e odeia passar tropas em revista. Escolhido prefeito de São Paulo sem nunca ter disputado uma eleição, Fernando Haddad (PT) promete agora quebrar outros protocolos da política tradicional, gastar sola de sapato para ouvir moradores e montar um secretariado com perfil mais técnico. Um desespero para aliados.
"Chegar até aqui foi como escalar o Everest", diz Haddad, contando os dias para a posse no Palácio do Anhangabaú, em 1.º de janeiro de 2013. Os poucos interlocutores que tentaram conversar com ele sobre a divisão dos cargos na equipe, antes da vitória, levaram um passa-fora.
Derrotar o adversário José Serra (PSDB) no reduto tucano e retomar a principal Prefeitura do País para o PT - no momento em que a antiga cúpula do partido é condenada no julgamento do mensalão - foram triunfos comemorados por Haddad como um presente antecipado de aniversário. Aquariano, o prefeito eleito faz 50 anos em 25 de janeiro, o mesmo dia de São Paulo. "Hmmm. Resisto a essa ideia dos 50", afirma ele, rindo.
A descontração de hoje contrasta com a temporada tensa dos últimos quatro meses. Além dos ruidosos ataques da campanha, a paisagem do abandono ficou na sua memória. Na Vila Bela, zona leste, viu crianças brincando no esgoto. No Jardim Peri Alto, zona norte, casas apodrecendo, encravadas em penhascos.
"Às vezes, eu chegava em casa derrubado", conta Haddad. "Tinha lugares por onde eu passava e dizia: 'Cara, não dá'. Tenho amigos no PSDB e falei para eles: 'Se vocês não acreditam, vão lá ver. Não dá'."
Laboratório. Foi uma longa jornada, com 10 mil quilômetros percorridos. Logo que anunciou os coordenadores de sua campanha, Haddad ouviu de ministros questionamentos sobre a ausência de figurões no time e a inexperiência dos nomes escalados para ajudá-lo na mais complicada eleição do País. "Se eu não puder mandar na minha campanha, não vou mandar no meu governo", devolveu o ex-ministro da Educação.
O Estado-maior do PT, porém, funcionava sob o comando do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o "criador" de Haddad, e do marqueteiro João Santana. A presidente Dilma Rousseff previu as dificuldades que ele enfrentaria.
"Vão dizer que você é um poste, como diziam de mim, e usar golpes baixos. Prepare-se!", aconselhou ela. A exemplo de Haddad, Dilma também saiu do "laboratório" de Lula e duelou com Serra, no embate presidencial de 2010.
Não foram poucos os vereadores e deputados do PT que se queixaram do estilo arredio do então candidato e o compararam a Dilma, conhecida por manter distância regulamentar dos políticos. "Eu arriscaria dizer que estou numa condição política melhor do que os meus críticos. Então, alguma coisa de política eu devo entender, não é?", provoca o prefeito eleito.
Convocado para disputar a Prefeitura de São Paulo por Lula, que apostou na renovação de quadros no PT para fugir do desgaste do mensalão, Haddad nem sempre disse sim ao chefe. Em 2006, por exemplo, quando era ministro, recusou um pedido dele para indicar Marlene Salgado de Oliveira, reitora da Universo e mãe do então senador Wellington Salgado, do PMDB, para o Conselho Nacional de Educação.
"Fernando, você tem 24 conselheiros e eu estou pedindo apenas um", argumentou Lula, de acordo com relato de um participante da conversa. "É, mas esse nome não dá", respondeu Haddad. O veto funcionou e Lula não nomeou Marlene.
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