Almanaqueiras: ou não queiras.

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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

a, e, i, o, u, u, ipsilone, ipsilone...


Apologia ao Jumento
Luiz Gonzaga


"O jumento é nosso irmão, quer queira ou quer não. O jumento sempre foi o maior desenvolvimentista do Sertão. Ajudou o homem na lida diária, ajudou o homem, ajudou o Brasil a se desenvolver. Arrastou lenha, madeira, pedra, cal, cimento, tijolo, telha. Fez açude, estrada de rodagem. Carregou água pra casa do homem. Fez a feira em cima de montaria. O jumento é nosso irmão. E o homem, em retribuição, o que é que lhe dá? Castigo, pancada, pau nas pernas, pau no lombo, pau no pescoço, pau na cara, nas orelhas. O jumento é bom, o homem é mau. E quando o pobre não agüenta mais o peso de uma carga e se deita no chão, vocês acham que o homem chega e ajuda o bichinho a se levantar? Hum! Pois sim! Faz é um foguinho debaixo do rabo dele. O jumento é bom. O jumento é sagrado. O homem é mau. O homem só presta pra botar apelido no jumento. O pobrezinho tem apelido que não acaba mais: babau, gangão, bregueço, imagem do cão, mosqueiro, corneteiro, seresteiro, sineiro, reloje... Ele dá a hora certa do sertão. Tudo isso é apelido que o jumento tem: astronauta, professor, estudante, advogado das bestas. É chamado estudante porque quando o estudante não sabe a lição da escola, o professor grita logo: "Você não sabe porque você é um jumento". E o estudante, pra se vingar, botou o apelido no jumento de professor, porque o professor ensina a ler de graça. Pois sim. Quem ensina a ler de graça é o jumento. É assim: a, e, i, o, u, u, ipsilone, ipsilone... Só não aprende a ler quem não quer. Esse é o jumento nosso irmão. Animal sagrado. Serviu de transporte pra Nosso Senhor quando ele ia para o Egito. Quando Nosso Senhor era pirritotinho. Todo jumento tem uma cruz nas costas, não tem? Pode olhar que tem. Todo jumento tem uma cruz nas costas. Foi ali que o menino santo fez um pipizinho, por isso ele é chamado de sagrado. Jumento meu irmão, o maior amigo do Sertão. Ele é cheio de presepada, sim senhor. Uma vez ele me fez uma, menino, que eu não me esqueci mais. Quando dá as primeiras chuvas do Sertão, a gente planta logo um milhozinho num munturo da casa da gente porque dá ligeiro e é milho doce. Dá ligeirinho, ligeirinho. O jumento cismou de ser meu sócio. Eu disse: "Eu pego ele..." Quando ele invadiu minha roça, eu preparei uma armadilha, cheguei perto dele e disse: "Comendo meu milho, hein? Vou lhe pegar!" Ele balançou a cabeça, ligou as antenas, troceu o rabo, troceu, troceu, troceu, deu corda e disparou. Deu um pulo tão danado na cerca que nem triscou na minha armadilha. Correu uns dez metros, deu meia-volta, olhou pra mim e me gozou: "Seu Luizzzz! Seu Luiz, comi seu mi e como, e como, e como." Fi da peste, comeu mesmo, mas eu gosto dele porque ele é servidorzinho que é danado. Animal sagrado, jumento meu irmão, eu reconheço o teu valor, tu és um patriota, tu és um grande brasileiro. Eu tô aqui jumento, pra reconhecer o teu valor meu irmão!"

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