Almanaqueiras: ou não queiras.

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quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Eduardo e Mônica, 2018

Eduardo e Mônica, 2018

O Globo - Leo Aversa 

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E quem irá dizer que um dia existiu razão e coisas feitas pelo coração? Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar, ficou deitado para matar mais uma vez a aula de História. Enquanto isso, Mônica tomava o seu primeiro gim tônica, para esquecer a sociedade patriarcal, machista e repressora. Acabaram se encontrando, sem querer, na Praça São Salvador, onde um amigo do cursinho de coding do Eduardo disse que tinha uma festa legal. Eduardo reclamou que o amigo estava ficando muito alternativo, mas topou, pois eles queriam se divertir.

Uma festa estranha com gente esquisita, ao menos para Eduardo: muita ciranda, muito homem com homem e mulher com mulher. Se é que são homens e mulheres, deve ser tudo trans, bem que meu pai me alertou para não vir para cá, pensou Eduardo. Mônica, que tinha brigado com a namorada depois de uma DR de três semanas, achou graça naquele coxinha de camisa polo que tentava impressionar.

Eduardo, meio tonto, só queria ir para casa. São duas horas, vou me ferrar amanhã na prova de História, daquele professor que insiste em dizer que 1964 foi um golpe. Esse professor só pode ser um esquerdopata bolivariano, também alertou o pai dele.

Eduardo e Mônica trocaram telefones. Depois trocaram mensagens de WhatsApp. Decidiram se encontrar. Eduardo sugeriu um barzinho novo no Leblon, com cervejas artesanais, mas Mônica queria ir a um show de banda indie no Circo Voador. Encontraram-se na Cobal do Humaitá, Mônica de bicicleta, Eduardo de Uber. Ele reparou no “Respeita as mina” tatuado no braço dela, mas achou melhor não comentar.

Eduardo e Mônica eram nada parecidos, ela jogava tarô e ele tinha dezesseis, ela fazia antropologia e falava mandarim, ele ainda nas aulinhas de computação. Ela gostava do Gregorio e da Marielle, da Frida Kahlo, do Caetano e da Legião. Eduardo gostava dos irmãos Neto, de sertanejo e jogava Fortnite com o seu irmão. Ela falava coisas sobre Prem Baba e o Uruguai, empoderamento feminino, lugar de fala e desigualdade social. Eduardo ainda estava no esquema de escola, videogame, academia e mais videogame depois.

E com tudo diferente, veio a vontade de brigar. Os dois discutiam todo dia. Era fascista e machista pra cá, feminazi e petralha pra lá. A treta crescia, como não deveria ser. Mônica ainda tentou explicar ao Eduardo coisas sobre a terra, o fogo, a água e o ar, mas ele não quis nem saber, mandou enfiar os quatro elementos naquele lugar, enquanto tentava convencê-la sobre o valor do Estado mínimo e da meritocracia. Ela meteu o dedo na cara dele, disse que é reacionário neoliberal e homofóbico, e o mandou pastar. Ele respondeu que ela é uma mala sem alça, radical e intolerante, e que não aguentava mais.

Nunca mais se viram.

Eduardo passou no vestibular em informática, Mônica foi trabalhar numa ONG em Mauá.

Ainda bem que eles se separaram, pensou o antigo amigo do cursinho, que não aturava mais tanta treta. Esse ódio não vai passar nem depois da eleição, concluiu, já com medo do que isso ia dar.

E quem irá dizer que um dia existiu razão e coisas feitas pelo coração?

Será que a história do casal criado pela Legião Urbana há 32anos ainda seria a mesma?

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