Almanaqueiras: ou não queiras.

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quarta-feira, 13 de junho de 2018

Que venha a Copa de 2018

A COPA ALÉM DA COPA

Luiz Antonio Simas




Já vi coisas no Brasil da rebimboca da parafuseta. O fato de ser nascido e criado num terreiro de macumba cruzada com tudo que o sujeito possa imaginar, me fez, desde pequeno, achar que as coisas mais extraordinárias são perfeitamente normais. Cresci na encruzilhada das maravilhas. Vi um curupira incorporado numa dona (acho que foi na Dos Anjos, minha mãe, Dona Niedja, pode confirmar nos comentários) ; vi turista japonês virado no Seu Sete Cachoeiras; vi seu Zezé Macumba imitar bode para amarrar time adversário na várzea; cruzei com presunto desovado pelo esquadrão que, segundo contam, ressuscitou e pediu cachaça.

Vi o malandro Toninho Itabaiana incorporar o Barão Langsdorff; tive uma tia carola (única católica praticante da família) que deixou expresso em testamento que queria ser enterrada com um bonequinho de seu Tranca Rua; vi um padre parapsicólogo alemão exorcizar um filé de peixe que fedia pra cacete, depois de tomar uns birinaites numa birosca, e ser aplaudido.

Não me surpreenderam, portanto, as maluquices extraordinárias que ocorreram na Copa do Mundo de 2014, aqui no Brasil, e foram (justamente, diga-se) esquecidas pela tragédia do 7 X 1 e o buraco em que nos metemos com as maracutaias da FIFA e do poder público: índios pataxós cantaram parabéns para o alemão Klose; três pés de cana fizeram Manoel Neuer e Bastien Schweinsteiger gritarem, dando saltinhos, Bahêa! durante o hino do tricolor baiano; brasileiros foram a um amistoso da Croácia levando toalhas de mesa como bandeiras; um aracnídeo atacou um australiano; um maníaco sacou a peixeira durante o treino da Colômbia.

Cinco mil gaúchos, vestidos como se fossem para a Guerra dos Farrapos, receberam a delegação do Equador dançando o "bota aqui o seu pezinho"; um português ciclista, descrito por quem o conhece como completamente maluco, tentou se atirar de bicicleta na frente do ônibus de Portugal; o holandês Arjeen Robin quase se afogou na praia de Ipanema; o bebê Drogbinha invadiu o treino da Costa do Marfim para conhecer o craque Drogba.

Defini à época estes momentos como os de "saramandaização, chacriniana e sucupiresca" do padrão FIFA. No meio da venalidade da entidade sequestradora do futebol que rege o torneio e seus comparsas, as Copas do Mundo têm o poder de mostrar, paradoxalmente, que o futebol ainda respira na paixão que desperta nas pessoas.
É essa dimensão humana, ponto de viração do mundo, que sempre me interessou.

Relevem. Cresci na fronteira do extraordinário, conversando com pretos velhos de duzentos anos, malandros do início do século XX, prostitutas sevilhanas assassinadas que viraram pombagiras no Brasil; bugres combatentes da Guerra do Paraguai, mestres juremeiros e personagens do gênero.

Minha avó entregou-me, recém-nascido, no meio de uma noite grande aos cuidados da dindinha lua, para que ela cuidasse dos meus passos. E enterrou meu umbigo no Jardim Nova Era, naquela noite de Nova Iguaçu. É a dindinha (ela nunca me faltou) que ilumina com a luz que não tem as coisas que clareiam o mundo deste que vos escreve.

Que venha a Copa de 2018 e que possamos enxergar, além do espetáculo feérico, escroto e desumanizado, nas frestas do megaevento, a paixão pela vida que o futebol desperta nas crianças, mulheres e homens do mundo inteiro. Com a cerveja trincada e a carne no fogo, torcendo contra ou a favor, já que ninguém é de ferro.

Saravá!

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