O 21º torneio mundial de seleções promete levar nossa maluquice a um ponto crítico
O Brasil vai à Copa do Mundo da Rússia como quem se deita no divã. Que o país anda ruim da cabeça --e da alma-- já está claro há algum tempo, mas o 21º torneio mundial de seleções promete levar nossa maluquice a um ponto crítico.
Poucas vezes chegamos à Copa com uma equipe tão bem preparada, tão pronta a carregar com garbo a responsabilidade de favorita que a seleção pentacampeã carregaria de qualquer jeito, mesmo depois do 7 a 1 e ainda que fosse treinada por um Dunga da vida.
Ao mesmo tempo, nunca tantos de nós fomos tão hostis, rabugentos, inapetentes ou no mínimo cautelosos --pelo menos por ora-- diante da lendária amarelinha. "Isso nunca nos aconteceu antes", poderiam dizer incontáveis anti-Pachecos, caso estivessem envergonhados por negar fogo. Não estão: torcer contra é motivo de orgulho.
Ah, porque a camisa amarela virou "uniforme de fascista". Porque Neymar é mimado e tem falhas de caráter. Porque na CBF e na Fifa só dá corrupto. Porque os jogadores são milionários expatriados que não representam o país --por aí vai.
Claro que todo mundo tem o direito de alimentar o bode que quiser em seu quintal. Parece inegável que o declínio do nosso velho ufanismo babão, que vem sendo observado há algumas Copas, é sintoma saudável do amadurecimento de um povo que deixou de encarar uma competição esportiva como teste binário --glória ou cadafalso-- do seu valor. Ruas decoradas só fazem falta a donos de armarinho.
O que talvez nos faça falta a todos é a lucidez de reconhecer que o futebol --o esporte mais popular do planeta e um idioma realmente universal-- é mais do que a soma dos interesses comerciais e políticos que o cercam.
Por décadas, o Brasil construiu nele uma marca mundial de excelência e fez disso um esteio de autoestima e do próprio sentimento (a princípio precário, como em qualquer sociedade pós-colonial) de nacionalidade.
Retocar essa mitologia à luz de um novo tempo é boa ideia, mas o futebol brasileiro não será chutado para escanteio sem danos à nossa sanidade coletiva.
O mau humor está no ar e não faltam razões para isso, mas a seleção treinada por Tite é das poucas coisas realizadas com talento, profissionalismo e competência nesta terra em muito tempo. Se formos incapazes de nos alegrar com ela, talvez seja melhor trocar o divã pelo hospício.
Sérgio Rodrigues
Escritor e jornalista, é autor de ‘O Drible’ e ‘Viva a Língua Brasileira’, entre outros.
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