Almanaqueiras: ou não queiras.

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terça-feira, 12 de junho de 2018

Devoção à bola

Os cultos coletivos, com presença de pastores, estão cancelados na seleção

Alvaro Marechal 



Na Copa de 1970, o Brasil chegou ao México desacreditado. (Hoje se pode dizer que há um desencanto geral no país inteiro, por diversos motivos, mas o time, em certa medida, está prestigiado). O nosso grupo era considerado o da morte, com Tchecoslováquia, Inglaterra e Romênia. Na estreia, com 11 minutos, levamos o gol de Ladislav Petrás. Na hora da comemoração, para espanto geral, ele se ajoelhou e fez o sinal da cruz.

Foi um recado político, um protesto pela invasão de Praga pelas tropas soviéticas dois anos antes. No quarto gol da seleção, que selou a vitória, Jairzinho repetiu o gesto religioso de Petrás. O atacante do Botafogo, que nunca foi carola, quis expressar outra mensagem: se Deus estava ao lado dos adversários, da mesma maneira estava ao nosso lado. A diferença é que tínhamos mais talento com a bola nos pés.

No mesmo jogo, Jairzinho, que ficaria conhecido como Furacão da Copa, fez mais um gol, depois de receber lançamento de Gérson, dando um lençol no goleiro Ivo Viktor, matando a bola no peito e estufando as redes com o chute. Era o lance que nós, moleques de sete anos, tentávamos imitar nas peladas de rua.

Atualmente, nos estádios brasileiros, quase não se veem comemorações com pulos e socos no ar, mergulhos de braços abertos, embalos de bebê, poses ensaiadas, danças coreografadas, chutes na bandeirinha ou folclóricas cambalhotas. Um ritual tem predominado: roda de jogadores ajoelhados, com dedos para o céu, agradecendo a Deus.

Ao menos no ambiente da seleção, o técnico Tite resolveu dar um basta na muitas vezes exagerada devoção pentecostal dos atletas. Os cultos coletivos, que contavam até com a presença de pastores na concentração, estão proibidos. Individualmente o jogador tem o direito de agir como quiser. Se Gabriel Jesus, depois de marcar um golaço nos campos da Rússia, fizer o sinal da cruz, ninguém irá crucificá-lo, pois não?

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