Almanaqueiras: ou não queiras.

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terça-feira, 15 de maio de 2018

todo o movimento progressista é na direção da luta pela emancipação da mulher e das minorias de gênero.

Em defesa de certa masculinidade

Vera Iaconelli 


Seriam os homens um erro da natureza, a ser erradicado pelo bem da humanidade?


Que mulher não ouviu dos pais: "minha filha, não dependa de homem!"? A maioria hoje carrega esse mantra, inverso do slogan das gerações anteriores, que seria: "arranje um bom homem que sustente sua família". É claro que, além de não depender de ninguém, das mulheres ainda se espera que casem, tenham filhos, sejam magras e bem-sucedidas. A corda não afrouxou para o lado delas, só porque ganharam a incumbência de se sustentar. Pelo contrário, cuidar da casa e dos filhos, enquanto mantêm o físico atlético e uma carreira de sucesso, é o que se espera da "nova mulher". O imperativo moderno do "tudo ao mesmo tempo agora" é tão tirânico e inalcançável para nós, pobres mortais, quanto passa de boca em boca sem titubeio. Quem ousar desafiá-lo vai recolher olhares de desprezo ou dó, seja porque não trabalha, seja porque não tem filhos, seja porque não faz ginástica... e assim vai.

Do outro lado da história, representando o gênero masculino, temos os imperativos que assombram os homens.

(Pausa para lembrar que a palavra "gênero" está em vias de ser banida das escolas, e se banir palavras da escola não for fascista, por favor, me expliquem o que é.)

Qual seria o mantra dos homens hoje? Arrisco: "não sejam mulherzinhas e" —pasmem!— "sejam femininos".

Não sejam "mulherzinhas", leia-se, não sejam suscetíveis, afetados e medrosos. Ao mesmo tempo, sejam femininos, traduzível por: sejam sensíveis como as mulheres. O homem bacana hoje, que cuida dos filhos e da família em bases igualitárias com a mulher —o famoso "marido Vila Madalena"— é aquele dotado de "alma feminina".

Se chamar uma mulher de masculina é xingá-la e chamar um homem de feminino é elogiá-lo, se "um bom pai é quase uma mãe", talvez tenhamos que repensar o que pedimos ao outro sexo. Pois a mensagem faz supor que a masculinidade é um erro a ser corrigido com... a feminilidade!

Porque no "frigir dos ovos" o que sobra é a insinuação de que homens são um erro da natureza, que devemos erradicar para o bem da espécie humana.

No divã escutamos jovens e adultos perplexos diante de um discurso que despreza sua forma de entender o mundo, sua sexualidade, sua vida afetiva, seu corpo, ao mesmo tempo em que continua a exigir-lhes o sucesso profissional e social. A confusão entre machismo e masculinidade é patente e nos faz perder grandes aliados na causa das mulheres e das minorias de gênero. Além disso, o alto índice de alcoolismo, de violência, de depressões, de suicídios e de prisões entre homens são sintomas que demonstram que estamos esquecendo de escutar algo.

O destino das mulheres está traçado, o alcancemos ou não. Ainda que exista a circuncisão feminina e os estupros aumentem pelo mundo —só para citar alguns dos exemplos estarrecedores aos quais somos submetidas—, todo o movimento progressista é na direção da luta pela emancipação da mulher e das minorias de gênero.

E qual seria o destino almejado para e por homens? O que eles têm a nos dizer sobre seu desejo, sua forma de sentir, de amar? Sobre seu desejo de deixar de bancar os durões sem ter que deixar de serem homens? Masculinidade e feminilidade, seja pelas tendências genéticas, seja pelas construções históricas e influências socioculturais, têm feito parte da construção das subjetividades de cada época. São formas a partir das quais os sujeitos se apresentam no mundo e com as quais, por motivos insondáveis, se identificam. Confundir a masculinidade com o machismo, exercício de um poder tirânico contra o qual devemos continuar lutando, é "jogar fora o bebê junto com a água do banho". Para esquentar a conversa, sugiro assistir à comédia francesa "Não sou um homem fácil" (Netflix). Juntos.

Vera Iaconelli
Psicanalista, fala sobre relações entre pais e filhos, mudanças de costumes e novas famílias do século 21.

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