Almanaqueiras: ou não queiras.

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sexta-feira, 11 de maio de 2018

“O que se aprende é a única coisa que nenhum ditador pode tirar de você”.

Uma menina húngara, aprendendo e desaprendendo

Claudia Costin 



Impedida de continuar os estudos numa sala de aula, minha mãe seguiu em frente sozinha

No último dia 4, minha mãe, Lidia Costin, faleceu, depois de viver por cerca de 15 anos com Alzheimer. Foi um processo penoso, mas a lembrança de sua história de vida trouxe grandes ensinamentos sobre como o ser humano aprende (e desaprende).

Lidia vivia com seus pais na Hungria em 1944, aos 13 anos, quando sentiu na pele os primeiros sintomas da noite escura que se aproximava: foi competir, na piscina pública de seu bairro, num campeonato de natação e não a deixaram entrar na água, a despeito de seu nome constar na lista. Era judia (embora não soubesse) e iria, portanto, contaminar a piscina.

Correu para casa chorando e, frente à confirmação dos pais, começou a entender o que se passava. Teve que usar a estrela no peito, foi expulsa da escola (apesar de seus documentos de matrícula identificarem-na como presbiteriana) e, por meio de uma operação associada a Raul Wallenberg, cônsul especial da Suécia, pôde fugir, como parte de um grupo de refugiados, inicialmente para Portugal e, de lá, só ela e seus pais, para o Brasil.

Em Portugal, depois de um tempo tendo aulas apenas com os adultos do grupo, conseguiu continuar seus estudos numa escola francesa de Lisboa, mas, ao chegar ao Brasil, não a deixaram prosseguir. Sua escolaridade se interrompeu antes de concluir o que hoje seria o 7º ou 8º ano do ensino fundamental.

Frente a esse problema, decidiu continuar a estudar sozinha. Frequentou a Biblioteca Municipal Mário de Andrade, buscava livros na Aliança Francesa e estudou matemática em livros-texto e, posteriormente, numa série de livros de autoinstrução.

Trabalhou alguns anos como desenhista técnica, o que pôde aprender com a ajuda do pai, que era engenheiro. Isso me rendeu uma lição de vida: ao relatar a experiência, disse-me que nós mulheres tendemos a ser perfeccionistas e não nos candidatar para nada que ainda não dominamos; temos que aceitar desafios, concluiu ela.

O maior deles estava por vir. Foi da primeira geração de programadores de computador formados pela IBM no país. Quando terminou o curso, em primeiro lugar, pediram seu currículo e ela confessou não ter sequer fundamental completo —o que não a impediu de ter informatizado o laboratório Fleury, a Kibon, parte da SKF e várias concessionárias de automóveis.

No fim de sua vida, olhei para esta mulher que não teve o direito de ser menina e que desaprendera tanta coisa e pensei que não trabalho com educação por acaso. Afinal, como sempre dizia a meus irmãos e a mim: “O que se aprende é a única coisa que nenhum ditador pode tirar de você”. Mas a doença, infelizmente, pode.

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