Almanaqueiras: ou não queiras.

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segunda-feira, 21 de maio de 2018

A era pós-Diana foi madrasta com a rainha. Para alguma oxigenação da família, só restava os órfãos da princesa crescerem e chegarem à maturidade para casarem.

O samba na cara da realeza

Malu Fontes é jornalista


Qualquer episódio envolvendo a família real inglesa comprova o tamanho do precipício existente entre aquilo que as pessoas dizem e o comportamento que adotam. Pelo que se lê quanto às impressões do mundo sobre a monarquia inglesa, parece ser consenso que tudo aquilo cheira a frivolidades.

No entanto, basta que algum dos rebentos de Buckingham anuncie que vai casar que o mundo inteiro revira os olhinhos diante da TV - e hoje das redes sociais -, embasbacado diante do maior conto de fadas real do planeta. Há sempre a desculpa da vez para admirar sem culpa os casamentos do clã elizabetano.

O de Diana e Charles? A noiva era uma aristocrata, mas não vinha de nenhuma casa real europeia, como mandava a tradição. E vejam só que tocante: era uma tímida e doce professorinha. E o mundo se rendeu às mangas bufantes da noiva. Seu corte de cabelo fez a cabeça do mulherio quando nem se falava em globalização, e a cerimônia foi uma tsunami de audiência.

ABSORVENTE
O casamento de Charles e Diana foi o último arranjado da monarquia. A professorinha imediatamente mostrou à rainha com quantas câmeras se constrói uma aura de superstar e, para a desgraça de Elizabeth e sua imagem discreta, seu final não foi nem um pouco feliz.

A mulher do herdeiro primeiro na linha de sucessão comeu o pão que a realeza amassou e deixou que isso vazasse para o mundo, antes de internet e redes sociais. Di mostrou o inferno de bruxas que são os bastidores da família e ainda passou pelo constrangimento de purgar, em escala planetária, um par de chifres, com requintes de crueldade e detalhes sórdidos. O marido, além de feioso e sem carisma, foi flagrado declarando amor à amante citando nada menos que um absorvente interno.

Ao dizer que queria ser um tampax de Camila, para viver besuntado em suas entranhas, Charles registou seu único feito digno de citação: a originalidade de usar um absorvente íntimo como tema de uma declaração de amor. Já Camila, coitada, nunca será perdoada por ter sido a outra na vida da doce e meiga Diana, que, se já era a diva da porra toda quando viva, após morrer, em estilo hollywoodiano, perseguida por paparazzi nas ruas de Paris com um namorado egípcio, entrou para o panteão das canonizadas do pop.

A era pós-Diana foi madrasta com a rainha. Para alguma oxigenação da família, só restava os órfãos da princesa crescerem e chegarem à maturidade para casarem. William fez seu papel direitinho e casou com uma princesa fofa, colega de república estudantil e plebeia não aristocrática. Além de bonita e elegante, pare mais que coelho e, horinhas depois do parto, sai do hospital carregando bebê, acenando e sílfide dentro de vestidos incríveis copiados imediatamente.

DREAD

Mas o mundo dos súditos assumidos e enrustidos esperava mesmo era pelo queridinho da família, o príncipe Harry. O mundo nunca esqueceu o garoto despedaçado que, aos 12 anos, acompanhava o caixão da mãe. Harry é um ídolo pronto, muitos graus acima de qualquer personagem imaginado por roteiristas de Hollywood.

Só uma coisa se aproxima hoje do carisma de Harry e da sacudida que ele deu no bolor dos aposentos da avó ao casar com Meghan Markle, atriz, estrangeira, negra, mais velha que ele, divorciada, não rica, feminista e ativista: o sucesso da série The Crown, um primor na recriação de tipos e na reconstituição histórica.

O coral gospel episcopal quebrando a internet com o clássico norte-americano Stand by Me, os dread locks e o piercing da mãe da noiva, Doria Ragland, e a sedução argumentativa do reverendo Michael Cury são um samba literal na cara da realeza inglesa.

Até quem acha que para se dizer parte da intelligentsia é obrigatório odiar a rainha, tem agora um argumento e tanto para dar likes. Pode fazê-lo sem constrangimento em nome da chegada da diversidade e do multiculturalismo ao trono. Se, nos anos 80, a rainha era amaldiçoada pelo pop na voz do Cure, Smiths e Sex Pistols, graças aos netos e à Netflix a pop agora é ela.

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