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quinta-feira, 26 de abril de 2018

Ânimo econômico baixa, governo para, há grita contra juros, recuperação se arrasta

Clima mais azedo no país e no governo 

Vinicius Torres Freire


Ânimo econômico baixa, governo para, há grita contra juros, recuperação se arrasta

O primeiro terço do ano se foi. Foi para o vinagre.

Há mal-estar, náuseas renovadas na economia. Há derrotas dos reformismos restantes do governo, de resto paralisado. A definição de candidaturas presidenciais ainda será cozida por pelo menos um mês e pouco em um angu de politicalha repulsivo para a população quase inteira.

A recuperação econômica passou de lerda a arrastada, pelo que se sabe até agora, pelos dados de janeiro e fevereiro. A confiança de consumidores, comércio, construção e indústria baixou em abril, prejudicada em particular pelas expectativas.

A conversa dos juros baixos saiu pela culatra, tanto para economistas como para políticos do governo. A Selic caiu para a mínima histórica, mas nos bancos o crédito é baixo e os juros são altos. A grita contra os juros é maior agora do que faz um ano.

No fim de março, o Banco Central dizia com tranquilidade que os juros bancários baixavam como de costume, como em outras campanhas de redução de juros básicos. Não colou. Povo, empresários e até economistas e financistas têm discordado, como se pode notar pela conversa pública amarga ou raivosa.
Os projetos principais do governo aos poucos vão à breca, por vezes com a cumplicidade do próprio governo.

A privatização da Eletrobras no máximo será cozinhada em banho-maria com forno apagado, em parte devido ao lobby parlamentar da boquinha, em parte devido à desmoralização do programa reformista, empesteado pelo desprestígio terminal de Michel Temer. A venda da Casa da Moeda morreu na boquinha para partidos. Era uma graça vistosa do programa de privatizações e concessões de Temer de 2017, quase todo atolado.

Não deve ocorrer o megaleilão de petróleo, em meados do ano, que poderia render dezenas de bilhões para um Tesouro depenado e motivar alguma animação e propaganda do governo. Depende de um acerto de contas entre Petrobras e União, um rolo que já dura anos, mas que se acreditava quase resolvido. Mas “deu ruim”, como diz o povo.

Faz mais de um mês, o Congresso derruba vetos de Temer, deixa caducar medidas provisórias e aprova favores fiscais (menos impostos) para empresas, setores, regiões, ricos. Reformas microeconômicas engripam no Parlamento (cadastro positivo) ou dentro do Planalto (lei de falências).

No mais, o governo dedica-se à sua especialidade, a ser MDB, negociar cargos com partidos tão ou mais indizíveis a fim de fazer arreglos com vistas à eleição ou à derrubada de uma possível terceira denúncia contra Temer.

O “reality show” do Supremo, um programa deprimente e politizado, não contribui para a confiança do cidadão médio em coisa alguma, das instituições ao futuro político ou econômico.

Mesmo a alta do dólar, que em si e por ora não é um problema econômico, pinga algumas gotas de vinagre nesse caldo ruim de abril. Goste-se ou não, o preço do dólar é um tradicional termômetro “pop” da situação do país; em alta notável, dá uma estragada nos humores dos ricos, que veem de pronto sua cesta de consumo ficar mais cara.

Não, a recuperação econômica não foi para o vinagre. Sim, o que parecem tumultos convulsivos em certos dias se dissolvem despercebidos no mês seguinte —o Brasil é instável.

No entanto, com água pelo nariz, uma economia que mal voltou à tona e uma campanha eleitoral ainda cheia de aberrações, há risco maior de o azedume causar mais problemas.

Vinicius Torres Freire
Na Folha desde 1991. Foi secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião' e correspondente em Paris.

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